Em: “A gente é velho quando é objeto de humilhações bondosas...

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Q1336123 Português
A GENTE É VELHO...
Rubem Alves 



      A gente é velho quando, para descer uma escada, segura firme no corrimão. E os olhos olham para baixo para medir o tamanho dos degraus e a posição dos pés.
     Quando eu era moço, não era assim. Não segurava no corrimão e não media degraus e pés. Descia os dois lances de escada do sobrado do meu avô com a mesma fúria com que um pianista toca o prelúdio 16, de Chopin. Ele, pianista, não pensa. Se pensasse, não conseguiria tocar, porque o pensamento não consegue seguir a velocidade das notas. Toca porque seus dedos sabem sem que a cabeça saiba. O pianista se abandona ao saber do corpo. Assim descia eu as escadas do sobradão do meu avô. Mas no dia em que o pé começou a tropeçar, a cabeça compreendeu que eles, os pés, já não sabiam como sabiam antes. Agora é preciso o corrimão. Depois virão as bengalas, corrimões portáteis que se leva por onde se vai.
      A gente é velho quando, no restaurante, é preciso cuidado ao se levantar. Moço, as pernas sabem medir as distâncias que há debaixo da mesa. Mas, agora, é preciso olhar para medir a distância que há entre o pé da mesa e o bico do sapato. Há sempre o perigo de que o bico do sapato esbarre no pé da mesa e o pé da mesa lhe dê uma rasteira, você se estatelando no chão. Quando se é velho, até uma pequena queda pode se transformar em catástrofe. Há sempre o perigo de uma fratura.
     A gente é velho quando é objeto de humilhações bondosas. Como aquela que aconteceu comigo 25 anos atrás. O metrô estava cheio. Jovem, segurei-me num balaústre. Notei então que uma jovem de uns 25 anos me olhava com um olhar amoroso. Olhei para ela. E houve um momento de suspensão romântica. Minha cabeça e meu coração se alegraram. Até o momento em que ela se levantou com um sorriso e me ofereceu o seu lugar. Foi um gesto de bondade. Com o seu gesto ela me dizia: "O senhor me traz memórias ternas do meu avô..."
     A gente é velho quando entra no box do chuveiro com passos medrosos e cuidadosos. Há sempre o perigo de um escorregão. Por via das dúvidas, mandei instalar no box da minha casa uma daquelas barras metálicas horizontais que funcionam como corrimão.
    A gente é velho quando começa a ter medo dos tapetes. Os tapetes são perigosos de duas maneiras. Há os pequenos tapetes de fundo liso, que escorregam. E há os grandes tapetes que ficam com as pontas levantadas e que fazem ondas. O pé dos velhos movimenta-se no arrasto e tropeça na ponta levantada do tapete ou na armadilha da onda.
     A gente é velho quando começa a ter medo dos fotógrafos. Fugir das fotos de perfil porque nelas as barbelas de nelore aparecem. Nelore é um boi branco. Os pastos estão cheios deles, vivos, e as mesas também, sob o disfarce de bifes. E eles têm uma papada balançante, as barbelas, que vai da ponta do queixo (boi tem queixo?) até o peito. Velhice é quando as barbelas de nelore começam a aparecer. Aí vem a humilhação conclusiva. Prontas as fotos, eles nos mostram e dizem: "Como você está bem!"
    A gente é velho quando, tendo de subir ao palco para dar uma palestra, tem sempre uma jovem simpática que nos oferece a mão, temendo que a gente se desequilibre e caia. A gente aceita o oferecimento com um sorriso. Nunca se sabe...
    A gente é velho quando perde a vergonha e se desnuda fazendo as confissões que acabei de fazer... 


Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3010200704.htm Acesso em: 27 ago. 2016 
Em: “A gente é velho quando é objeto de humilhações bondosas”, humilhação bondosa é
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Vamos analisar a questão proposta, que envolve a interpretação de texto. O trecho a ser interpretado é: “A gente é velho quando é objeto de humilhações bondosas”. A pergunta busca identificar o que o autor considera uma "humilhação bondosa".

Para entender essa expressão, precisamos observar o contexto em que ela está inserida. No texto, o autor Rubem Alves descreve uma situação em que uma jovem oferece seu lugar para ele no metrô, um gesto que ele percebe como "bondoso" por ser educado e atencioso, mas ao mesmo tempo "humilhante" porque o faz sentir-se velho.

A alternativa D - "ter o lugar cedido por uma jovem" - é a correta, pois captura exatamente essa situação descrita no texto. O autor relata que, ao receber o gesto de gentileza da jovem, percebe o olhar de alguém que o vê como uma figura mais velha, semelhante a um avô, o que, para ele, é uma experiência de humilhação bondosa.

Por que as outras alternativas estão incorretas?

  • A - andar num metrô lotado: Este é um contexto em que a situação ocorre, mas não é a "humilhação bondosa" em si. O foco não está no ato de estar no metrô, mas no gesto da jovem.
  • B - assemelhar-se a um avô: Embora o texto mencione que o autor é visto como semelhante a um avô, isso é uma percepção interna dele e não o gesto concreto que constitui a humilhação bondosa.
  • C - olhar uma jovem de 25 anos com amor: Esta alternativa confunde a expectativa inicial do autor com o evento da humilhação bondosa. O olhar amoroso é parte do equívoco do autor antes de compreender o gesto da jovem.

Para resolver questões de interpretação de texto, é importante identificar palavras-chave e analisar o contexto em que elas aparecem. No caso, "humilhação bondosa" é um termo-chave que descreve um sentimento específico do autor diante de um gesto que, apesar de gentil, ressalta a sua percepção de envelhecimento.

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(D)

A gente é velho quando é objeto de humilhações bondosas. Como aquela que aconteceu comigo 25 anos atrás. O metrô estava cheio. Jovem, segurei-me num balaústre. Notei então que uma jovem de uns 25 anos me olhava com um olhar amoroso. Olhei para ela. E houve um momento de suspensão romântica. Minha cabeça e meu coração se alegraram. Até o momento em que ela se levantou com um sorriso e me ofereceu o seu lugar. Foi um gesto de bondade. Com o seu gesto ela me dizia: "O senhor me traz memórias ternas do meu avô..."

Sobre a (A): Extrapolação textual, porquanto, em hipótese alguma é possível fazer a comparação de "humilhações bondosas" com assemelhar-se a um avô.

D - ter o lugar cedido por uma jovem.

No trecho mencionado, Rubem Alves relata a experiência de receber um gesto de bondade — uma jovem cede seu lugar no metrô. No entanto, o ato, embora generoso, faz com que ele perceba sua idade e se sinta como um "avô", o que ele descreve como uma "humilhação bondosa". Trata-se de um momento em que um gesto simpático desperta reflexões sobre a velhice.

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