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Q989708 Português

                                              adicto*

                                                                                                                        fraga**

      Refleti muito antes de revelar: também sou usuário de droga. Pense! A mais traiçoeira. Sim, sou dependente químico, como tantos em nossa época, mundo a fora.

      Entenda. Eu aspiro oxigênio. Vulgo ar. Aí. Pronto, falei!

      Antes de me abrir, pensei primeiro em me tratar. A vergonha me impediu de procurar ajuda. Do ridículo de não ser compreendido ao denunciar esse vício terrível, do qual a sociedade global parece nem tomar conhecimento. Imagine chegar num AA (Aspiradores Anônimos) e declarar: Hoje fiquei quase 3 minutos sem aspirar ar. E anunciar a meta triunfal para a próxima semana: Talvez 4 minutos!

      Puizé, aspiro ar desde bebê. Desconfio que minha mãe também consumia doses cavalares de ar durante a gestação. Assim fui contaminado. Ainda bem que na maternidade suspeitaram e logo me entubaram.

      Vício remoto da espécie, de quando um anfíbio saiu d´água. Dizem que hoje já somos mais de 7 bilhões de viciados. Até os animais dependem dessa droga. As plantas preferem gás carbônico.

      Qualquer viciado em ar sabe como é inflar os pulmões, a ânsia frenética, incessante, ah!, aquela sensação contínua de bem-estar. Vício estúpido, sei. Porque é fatal para todos, questão de tempo. Ninguém sai vivo desse hábito.

      Usamos as narinas no piloto automático, nem pensamos no que fazemos. Tem gente até que respira pela boca, forma ainda mais perigosa de ingerir ar, já que a droga leva pra dentro de nós micróbios, vírus e bactérias. Ar é tão perigoso que certas bactérias o evitam, preferem a saudável vida anaeróbica.

      Há casos de gente que tenta permanecer o maior tempo possível sem ar; são capazes de mergulho em apneia a grandes profundidades até quase estourarem os pulmões. Não se curam, apenas entram no Livro Guinness. Alpinistas são outros que sobem a alturas com ar rarefeito e lá em cima, narinas semi-abertas, suportam momentos terríveis de falta de ar. Experimentam uma vitória ínfima, só para contar para seus familiares que tentaram, mas, infelizmente, esse gás maldito que envolve o planeta os venceu mais uma vez. Nem o Everest consola.

      Taí o problema desse vício: a abundância da substância ao nosso redor. Tal fartura impede, pelo menos, o tráfico. Somos viciados em qualquer ar: aspiramos no trânsito, em meio a plantações regadas a agrotóxicos e ao ar viciado de elevadores e ônibus lotados, recintos fechados.

      As autoridades sanitárias nunca tentaram entender tamanha adição. Saber porque as crises de abstinência são tão dramáticas, às vezes poucos segundos. E mesmo como pacientes terminais, ainda assim nos agarramos às máscaras: ar, mais ar, mais, mais!

      E nem o irrespirável clima do país em meio a campanhas políticas arrefece o vício. Acho que o ar não será criminalizado.

* Dependente; submisso.

** Autor do texto e colunista no jornal Extraclasse.

(Disponível em: <htt ps://www.extraclasse.org.br/edicoes/2018/09/adicto/> . Acesso em: 04 jan. 2019. Adaptado.)


                                

Um texto sempre é construído com base na leitura de mundo do autor, ou seja, ao se reportar a outros textos, estabelece com eles uma relação direta ou indireta.

Com base na leitura do texto, informe se é verdadeiro (V) ou falso (F) o que se afirma.


( ) A criação da sigla AA (Aspiradores Anônimos) remete a uma bricolagem em relação ao texto-fonte, pois alude a uma irmandade que ajuda pessoas a se recuperarem do alcoolismo.

( ) A noção de dialogismo, pela presença de diferentes vozes no texto, está exemplificada em frases como «Usamos as narinas no piloto automático» e «Acho que o ar não será criminalizado».

( ) A menção ao “Livro Guinness” é um exemplo de intertextualidade explícita, que, no texto em questão, tem como objetivo conferir atenção não só à informação, mas também à sua fonte.

( ) O uso adequado de signos verbais e não verbais nesse tipo de texto permite que se elimine um dos códigos, porque as informações são fornecidas pelo outro e há dissintonia dialógica entre eles.


De acordo com as afirmações, a sequência correta é

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