Um homem de consciênciaChamava-se João Teodoro, só. O mais p...
Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro.
Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra melhor.
Mas João Teodoro acompanhava com aperto de coração o deperecimento visível de sua Itaoca.
- Isto já foi muito melhor, diz consigo. Já teve três médicos bem bons - agora só um e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está se acabando...
João Teodoro entrou a incubar a ideia de também mudar-se, mas para isso necessitava de um fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível.
- É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaoca não vale mais nada de nada, então arrumo a trouxa e boto-me fora daqui.
Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada...
Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seríssima. Não há cargo mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado - e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca! ...
João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. Pela madrugada botou-as num burro, montou no seu cavalinho magro e partiu.
Antes de deixar a cidade foi visto por um amigo madrugador.
- Que é isso, João? Para onde se atira assim de armas e bagagens?
- Vou-me embora, respondeu o retirante.
Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim.
- Mas, como? Agora que você está delegado?
- Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. E adeus.
E sumiu.
Lobato, Monteiro. Um homem de consciência. In Cidades Mortas. 12ª edição. São Paulo, Brasiliense, 1965.
De acordo com o texto, João Teodoro:
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Interpretação do texto:
No texto, João Teodoro é descrito como um homem modesto e que não valoriza a si próprio. Ele observa a decadência de sua cidade, Itaoca, e reflete sobre a necessidade de mudar-se. A questão pede que identifiquemos a alternativa que melhor representa seus pensamentos e atitudes.
Alternativa correta: E - e achava que sua capacidade estava aquém das necessidades de Itaoca.
Essa alternativa é correta porque João Teodoro é retratado como alguém que não se considera capaz de ocupar um cargo importante como o de delegado. Ele mesmo diz: "Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada..." Isso demonstra claramente sua percepção de que sua capacidade não atende às exigências da cidade, que, em sua visão, já não tem conserto.
Análise das alternativas incorretas:
A - esperava o novo delegado para mudar-se de Itaoca.
Essa alternativa é incorreta porque João Teodoro não espera o novo delegado; na verdade, ele decide ir embora ao saber que ele mesmo foi nomeado delegado. A sua saída é um ato de desapontamento.
B - considerava Itaoca uma cidade com muita capacidade produtiva.
Essa opção é errada. João Teodoro observa que Itaoca está em declínio e menciona que já teve médicos e advogados bons, mas agora está mal servida. Portanto, ele não considera a cidade produtiva.
C - não aceitou candidatar-se ao cargo de delegado de Itaoca.
A afirmação é incorreta, pois João Teodoro não se candidatou ao cargo; ele foi nomeado delegado de forma inesperada e ficou chocado com isso.
D - considerava Tenório um eminente advogado.
Essa alternativa também é errada. João menciona que a cidade mal dá serviço para um "rábula ordinário como o Tenório", indicando que ele não considera Tenório um advogado de destaque.
Portanto, a única alternativa que reflete corretamente o pensamento de João Teodoro é a letra E, que expressa sua baixa autoestima e percepção sobre suas capacidades em relação à sua cidade.
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