O autor surpreende na imagem do guarda-chuva alguma complexi...
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Ano: 2025
Banca:
FCC
Órgão:
TRT - 15ª Região (SP)
Prova:
FCC - 2025 - TRT - 15ª Região (SP) - Analista Judiciário - Área Judiciária |
Q3295798
Português
Texto associado
Atenção: Para responder à questão, baseie-se no texto abaixo.
[Eternidade do guarda-chuva]
Ontem choveu demais e eu precisava ir a três pontos diferentes da cidade. Quando o moço do jornal veio apanhar a crônica
que eu acabara de escrever, pedi-lhe que me comprasse um guarda-chuva que parecesse digno da classe média, e ele o fez com
competência. Depois de cumprir meus afazeres voltei para casa, pendurei o guarda-chuva a um canto e me pus a contemplá-lo. Senti
então uma certa simpatia por ele, meu velho rancor contra os guarda-chuvas cedeu lugar a um estranho carinho, e eu mesmo fiquei
curioso para saber qual a origem desse carinho.
Pensando bem, ele talvez derive do fato de ser o guarda-chuva o objeto do mundo moderno mais intenso a mudanças. Sou
apenas um quarentão, e praticamente nenhum objeto da minha infância existe mais em sua forma primitiva. De máquinas como telefone, automóvel etc., nem é bom falar. Mil pequenos objetos de uso mudaram de forma, de cor, de material; em alguns casos, é
verdade, para melhor; mas mudaram.
O guarda-chuva tem resistido. Suas irmãs, as sombrinhas, já se entregaram aos piores desregramentos futuristas e tanto
abusaram que até caíram de moda. Ele permaneceu austero, negro, com seu cabo e suas invariáveis varetas. De junco fino ou pinho
vulgar, de algodão ou de seda animal, pobre ou rico, ele tem se mantido digno. Reparem que é um dos engenhos mais curiosos que o
homem inventou; tem ao mesmo tempo algo de ridículo e de fúnebre, essa pequena barraca. Nada disso, entretanto, lhe tira o ar
honrado. Entrou calmamente pela era atômica, e olha com ironia a arquitetura e os móveis chamados funcionais. Ele já era funcional
muito antes de se usar esse adjetivo; e tanto que a fantasia, a inquietação e a ânsia de variedade do homem não conseguiram
modificá-lo em coisa alguma.
Ali está ele, meio aberto, ainda molhado, choroso; descansa com uma espécie de humildade ou paciência humana; se tivesse
liberdade de movimentos não duvido de que iria para cima do telhado quentar sol*, como fazem os urubus.
*quentar sol: forma popular para "esquentar ao sol"
(Adaptado de BRAGA, Rubem. 200 crônicas escolhidas. Rio de Janeiro: Record, 1978, p. 217-218)
O autor surpreende na imagem do guarda-chuva alguma complexidade, quando admite que ele