A caçadaO homem acendeu um cigarro. Sua mão tremia. Em que t...
A caçada
O homem acendeu um cigarro. Sua mão tremia. Em que tempo, meu Deus! Em que tempo teria assistido a essa mesma cena. E onde?...
Era uma caçada. No primeiro plano, estava o caçador de arco retesado, apontando para uma touceira espessa.
Num plano mais profundo, o segundo caçador espreitava por entre as árvores do bosque, mas esta era apenas uma vaga silhueta, cujo rosto se reduzira a um esmaecido contorno. Poderoso, absoluto era o primeiro caçador, a barba violenta como um bolo de serpentes, os músculos tensos, à espera de que a caça levantasse para desferir-lhe a seta.
O homem respirava com esforço. Vagou o olhar pela tapeçaria que tinha a cor esverdeada de um céu de tempestade. Envenenando o tom verde-musgo do tecido, destacavam-se manchas de um negro-violáceo e que pareciam escorrer da folhagem, deslizar pelas botas do caçador e espalhar-se no chão como um líquido maligno. A touceira na qual a caça estava escondida também tinha as mesmas manchas e que tanto podiam fazer parte do desenho como ser simples efeito do tempo devorando o pano.
— Parece que hoje tudo está mais próximo — disse o homem em voz baixa.
— É como se... Mas não está diferente?
A velha firmou mais o olhar. Tirou os óculos e voltou a pô-los.
— Não vejo diferença nenhuma.
TELLES, Lygia Fagundes. Melhores Contos de Lygia Fagundes Telles. seleção de Eduardo Portella. São Paulo: Global. 2003, p. 163- 164.
Sobre esse conto, é correto afirmar que