Questões de Concurso Comentadas sobre português para agente de polícia civil (médio)
Foram encontradas 11 questões
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Ano: 2022
Banca:
Instituto Consulplan
Órgão:
Câmara de Parauapebas - PA
Provas:
Instituto Consulplan - 2022 - Câmara de Parauapebas - PA - Agente de Polícia Legislativa
|
Instituto Consulplan - 2022 - Câmara de Parauapebas - PA - Técnico em Tecnologia da Informação |
Q1989958
Português
Texto associado
A rainha está morta: e agora?
Seria o “vida longa ao Rei!” tão óbvia resposta ou teria o Direito Constitucional esquecido que ainda existem monarquias entre as nações?
Desde o século XV, quando Carlos VII da França ascendeu ao trono, a resposta à pergunta do título que salta à cabeça de todos é “vida longa ao Rei!”. Resposta essa baseada na lei da transferência imediata da soberania do monarca morto ao seu sucessor.
No Reino Unido atual, assim como na França do século XV, “os mortos agarram os vivos” (em tradução livre do original francês: “le mortsaisit le vif”). Portanto, não há vácuo de poder na transição dinástica do Rei defunto para o Rei sucessor.
Assim foi com o então Charles, Príncipe de Gales. No exato instante em que a Rainha Elizabeth II deu seu último suspiro, no último dia 8 de setembro, sua lúgubre (e longa) espera por alcançar o seu destino acabou. Charles – “pela graça de Deus” ou simplesmente pelo arcabouço constitucional britânico – ascendeu à posição a qual estava predestinado, tornando-se o atual Charles III do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e Chefe da Comunidade Britânica.
Com sangue, suor, lágrimas, ferro e fogo, decapitações, esquartejamentos, revoluções políticas, religiosas e econômicas, o parlamentarismo monárquico britânico se assegurou e a identidade daquele Reino Unido – não sem algum moderno questionamento separatista ou republicano – se consolidou.
Desde a ascensão de Charles III ao trono, no entanto, muito vem se debatendo sobre o papel que o novo monarca exercerá à sombra do legado materno – que garantiu a manutenção da monarquia britânica no século XX e permitiu sua penetração no século XXI. Muito se especula se ele será a ruína da monarquia, essa instituição milenar, que, após severos golpes desde o final do século XVIII, entrou em decadência e se cristalizou como forma de governo em pouco mais de 40 países, dos quais um terço agora está sob seu domínio pessoal como chefe de Estado.
Quem hoje pode, com clareza e propriedade, responder a essa pergunta? Quem pode responder verdadeiramente quais são os limites, prerrogativas e direitos políticos e pessoais de um monarca no século XXI? Quem pode explicar a manutenção dessa forma de governo supostamente anacrônica em nosso tempo? Quem pode interpretar o aparente paradoxo de uma forma de governo (teoricamente) antidemocrática – por se basear em sucessão hereditária do chefe de Estado – ser aquela que vige em 9 dos 15 países mais democráticos do mundo, segundo último levantamento do Índice de Democracia da The Economist?
Não identificamos dentre a produção acadêmica realizada no Brasil, comentarista, analista político ou jurista que tenha bagagem para responder a essa pergunta. No mundo? Um apanhado de contar nos dedos.
Como apontou o jurista Luc Heuschling, Professor da Universidade de Luxemburgo, as monarquias europeias para os observadores estrangeiros são “um mundo totalmente diferente, feito de pompa, meandros legais [...] e escândalos sobre a vida privada da realeza”. Segundo ele, na literatura do chamado
“Direito Constitucional Global”, no entanto, esse tópico é um ponto em branco. Em termos globais, a ciência política, incluindo os próprios países monárquicos, acabou por devotar extensivos estudos a outras instituições do Estado, como a presidência nas repúblicas.
Mesmo no Reino Unido, se estiverem certos os professores Robert Hazell e Bob Morris, da University College London, não houve qualquer nova teoria ou estudo sobre essa forma de governo desde “The English Constitution” por Bagehot, em 1867.
Ou seja, não há qualquer grande debate acadêmico atual que explique a relação entre as monarquias e a atual concepção de democracia e o desenvolvimento democrático (aparentemente quase exemplar em alguns casos). Não há qualquer debate em que se discuta o papel e o limite de atuação de um monarca no século XXI, ou mesmo quais seriam as limitações aos seus direitos fundamentais. Pode o monarca se recusar a sancionar uma lei? Pode o Rei dissolver o Parlamento ou demitir o Primeiro-Ministro, afinal o governo é constituído em seu nome? Possui o Rei a liberdade de se casar com quem bem entender, de votar, de exercer sua liberdade de expressão? São essas perguntas que a atual literatura jurídica deixou de estudar.
É como se, em nível acadêmico, tudo o que valesse a pena ser dito sobre as monarquias e os monarcas já tivesse sido dito na literatura do século XIX e as questões contemporâneas das monarquias fossem apenas semelhantes às das repúblicas. O mundo, contudo, mudou drasticamente nos últimos 100 anos. [...]
No mundo, milhões de pessoas vivem sob essa forma de governo em mais de 40 países – tanto em regimes democráticos, quanto antidemocráticos. Talvez seja o momento de nos atentarmos que as monarquias ainda existem e – para além de explicar ou especular apenas sobre o futuro de um novo monarca – estudar atentamente (e sem preconceitos) seus sucessos ou fracassos para, nos exemplos, aprimorar nossas próprias instituições.
Se Charles III será um bom ou mau Rei, só o tempo dirá, mas seu reinado poderá servir, caso aproveitemos essa chance, para estudar as dinâmicas dessa forma de governo há tanto esquecida pela Academia.
Prestemos atenção, pois a maior monarquia da Terra está em transição.
Vida longa ao Rei!
(Guilherme de Faria Nicastro, 14 de setembro de 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/373391/a-rainha-esta-morta-eagora. Adaptado.)
(Disponível em: https://www.google.com/search?q=lembra+de+ quando+eu+nasci?+n%C3%A3o+conseguia&tbm=isch&safe=vss&chips= q:lembra+de+quando+eu+nasci+n%C3%A3o+conseguia,online_chips:cal vin:83dQhEAClpo%3D&rlz=1C1GCEA_enBR992BR992&hl=ptBR&sa=X&v ed=2ahUKEwiGj5Lgqpn6AhVhM7kGHUGgBcUQ4lYoBnoECAEQKw&biw= 1903&bih=969#imgrc=xjjk2VWNENJmvM.)
Pode-se afirmar que a tirinha anterior apresenta como elemento textual igualmente presente no texto “A rainha está morta: e agora?”
Q812622
Português
Texto associado
Texto para responder à questão.
O Dia da Consciência Negra
[...]
O assunto é delicado; em questão de raça,
deve-se tocar nela com dedos de veludo. Pode ser
que eu esteja errada, mas parece que no tema de
raça, racismo, negritude, branquitude, nós caímos
em preconceito igual ao dos racistas. O europeu
colonizador tem - ou tinha - uma lei: teve uma parte de
sangue negro - é negro. Por pequena que seja a gota
de sangue negro no indivíduo, polui-se a nobre linfa
ariana, e o portador da mistura é "declarado negro”. E
os mestiços aceitam a definição e - meiões,
quarteirões, octorões - se dizem altivamente
“negros", quando isso não é verdade. Ao se afirmar
“negro” o mestiço faz bonito, pois assume no total a
cor que o branco despreza. Mas ao mesmo tempo
está assumindo também o preconceito do branco
contra o mestiço. Vira racista, porque, dizendo-se
negro, renega a sua condição de mulato, mestiço,
half-breed, meia casta, marabá, desprezados pela
branquidade. Aliás, é geral no mundo a noção
exacerbada de raça, que não afeta só os brancos,
mas os amarelos, vermelhos, negros; todos
desprezam o meia casta, exemplo vivo da infração à
lei tribal.
Eu acho que um povo mestiço, como nós,
deveria assumir tranquilamente essa sua condição
de mestiço; em vez de se dizer negro por bravata, por
desafio - o que é bonito, sinal de orgulho, mas sinal de
preconceito também. Os campeões nossos da
negritude, todos eles, se dizem simplesmente
negros. Acham feio, quem sabe até humilhante, se
declararem mestiços, ou meio brancos, como na
verdade o são. “Black is beautiful” eu também acho.
Mas mulato é lindo também, seja qual for a dose da
sua mistura de raça. Houve um tempo, antes de se
desenvolver no mundo a reação antirracista, em que
até se fazia aqui no Rio o concurso “rainha das
mulatas”. Mas a distinção só valia para a mulata
jovem e bela. Preconceito também e dos péssimos,
pois a mulata só era valorizada como objeto sexual,
capaz de satisfazer a consciência dos homens.
A gente não pode se deixar cair nessa
armadilha dos brancos. A gente tem de assumir a
nossa mulataria. Qual brasileiro pode jurar que tem
sangue “puro” nas veias, - branco, negro, árabe,
japonês?
Vejam a lição de Gilberto Freyre, tão bonita.
Nós todos somos mestiços, mulatos, morenos, em
dosagens várias. Os casos de branco puro são
exceção {como os de índios puros - tais os
remanescentes de tribos que certos antropólogos
querem manter isolados, geneticamente puros -
fósseis vivos - para eles estudarem...). Não vale indagar se a nossa avó chegou aqui de caravela ou de
navio negreiro, se nasceu em taba de índio ou na
casa-grande. Todas elas somos nós, qualquer
procedência Tudo é brasileiro. Quando uma amiga
minha, doutora, participante ilustre de um congresso
médico, me declarou orgulhosa “eu sou negra” - não
resisti e perguntei: “Por que você tem vergonha de ser
mulata?” Ela quase se zangou. Mas quem tinha razão
era eu. Na paixão da luta contra a estupidez dos
brancos, os mestiços caem justamente na posição
que o branco prega: negro de um lado, branco do
outro. Teve uma gota de sangue africano é negro -
mas tendo uma gota de sangue branco será
declarado branco? Não é.
Ah, meus irmãos, pensem bem. Mulata,
mulato também são bonitos e quanto! E nós todos
somos mesmo mestiços, com muita honra, ou
morenos, como o queria o grande Freyre. Raça
morena, estamos apurando. Daqui a 500 anos será
reconhecida como “zootecnicamente pura" tal como
se diz de bois e de cavalos. Se é assim que eles
gostam!
QUEIROZ, Rachel. O Dia da Consciência Negra. O Estado de S.
Paulo, São Paulo, 23nov. 2002. Brasil, caderno 2, p. D16,
Vocabulário:
half-bread:mestiço.
marabá: mameluco.
meião, quarteirão e octorão: pessoas que têm,
respectivamente, metade, um quarto e um oitavo de
sangue negro.
“Black is beautiful”: “O negro é bonito
Considere as seguintes afirmações sobre aspectos
da construção do texto:
I. Em “mas parece que no tema de raça, racismo, negritude, branquitude, nós CAÍMOS em preconceito... Por pequena que seja a gota de sangue negro do INDIVÍDUO”, as palavras destacadas recebem acento pela mesma regra de acentuação. II. Passando-se para o plural o trecho destacado em “todos desprezam o meia casta, EXEMPLO VIVO DA INFRAÇÃO À LEI TRIBAL.”, mantendo-se o A no singular, o sinal indicativo de crase, obrigatoriamente, não poderia ser usado. III. Em “E os mestiços aceitam a definição e - meiões, quarteirões, octorões - se dizem altivamente 'negros', quando ISSO não é verdade.”, o elemento destacado se refere a uma ideia anteriormente expressa. Está correto apenas o que se afirma em:
I. Em “mas parece que no tema de raça, racismo, negritude, branquitude, nós CAÍMOS em preconceito... Por pequena que seja a gota de sangue negro do INDIVÍDUO”, as palavras destacadas recebem acento pela mesma regra de acentuação. II. Passando-se para o plural o trecho destacado em “todos desprezam o meia casta, EXEMPLO VIVO DA INFRAÇÃO À LEI TRIBAL.”, mantendo-se o A no singular, o sinal indicativo de crase, obrigatoriamente, não poderia ser usado. III. Em “E os mestiços aceitam a definição e - meiões, quarteirões, octorões - se dizem altivamente 'negros', quando ISSO não é verdade.”, o elemento destacado se refere a uma ideia anteriormente expressa. Está correto apenas o que se afirma em:
Q812621
Português
Texto associado
Texto para responder à questão.
O Dia da Consciência Negra
[...]
O assunto é delicado; em questão de raça,
deve-se tocar nela com dedos de veludo. Pode ser
que eu esteja errada, mas parece que no tema de
raça, racismo, negritude, branquitude, nós caímos
em preconceito igual ao dos racistas. O europeu
colonizador tem - ou tinha - uma lei: teve uma parte de
sangue negro - é negro. Por pequena que seja a gota
de sangue negro no indivíduo, polui-se a nobre linfa
ariana, e o portador da mistura é "declarado negro”. E
os mestiços aceitam a definição e - meiões,
quarteirões, octorões - se dizem altivamente
“negros", quando isso não é verdade. Ao se afirmar
“negro” o mestiço faz bonito, pois assume no total a
cor que o branco despreza. Mas ao mesmo tempo
está assumindo também o preconceito do branco
contra o mestiço. Vira racista, porque, dizendo-se
negro, renega a sua condição de mulato, mestiço,
half-breed, meia casta, marabá, desprezados pela
branquidade. Aliás, é geral no mundo a noção
exacerbada de raça, que não afeta só os brancos,
mas os amarelos, vermelhos, negros; todos
desprezam o meia casta, exemplo vivo da infração à
lei tribal.
Eu acho que um povo mestiço, como nós,
deveria assumir tranquilamente essa sua condição
de mestiço; em vez de se dizer negro por bravata, por
desafio - o que é bonito, sinal de orgulho, mas sinal de
preconceito também. Os campeões nossos da
negritude, todos eles, se dizem simplesmente
negros. Acham feio, quem sabe até humilhante, se
declararem mestiços, ou meio brancos, como na
verdade o são. “Black is beautiful” eu também acho.
Mas mulato é lindo também, seja qual for a dose da
sua mistura de raça. Houve um tempo, antes de se
desenvolver no mundo a reação antirracista, em que
até se fazia aqui no Rio o concurso “rainha das
mulatas”. Mas a distinção só valia para a mulata
jovem e bela. Preconceito também e dos péssimos,
pois a mulata só era valorizada como objeto sexual,
capaz de satisfazer a consciência dos homens.
A gente não pode se deixar cair nessa
armadilha dos brancos. A gente tem de assumir a
nossa mulataria. Qual brasileiro pode jurar que tem
sangue “puro” nas veias, - branco, negro, árabe,
japonês?
Vejam a lição de Gilberto Freyre, tão bonita.
Nós todos somos mestiços, mulatos, morenos, em
dosagens várias. Os casos de branco puro são
exceção {como os de índios puros - tais os
remanescentes de tribos que certos antropólogos
querem manter isolados, geneticamente puros -
fósseis vivos - para eles estudarem...). Não vale indagar se a nossa avó chegou aqui de caravela ou de
navio negreiro, se nasceu em taba de índio ou na
casa-grande. Todas elas somos nós, qualquer
procedência Tudo é brasileiro. Quando uma amiga
minha, doutora, participante ilustre de um congresso
médico, me declarou orgulhosa “eu sou negra” - não
resisti e perguntei: “Por que você tem vergonha de ser
mulata?” Ela quase se zangou. Mas quem tinha razão
era eu. Na paixão da luta contra a estupidez dos
brancos, os mestiços caem justamente na posição
que o branco prega: negro de um lado, branco do
outro. Teve uma gota de sangue africano é negro -
mas tendo uma gota de sangue branco será
declarado branco? Não é.
Ah, meus irmãos, pensem bem. Mulata,
mulato também são bonitos e quanto! E nós todos
somos mesmo mestiços, com muita honra, ou
morenos, como o queria o grande Freyre. Raça
morena, estamos apurando. Daqui a 500 anos será
reconhecida como “zootecnicamente pura" tal como
se diz de bois e de cavalos. Se é assim que eles
gostam!
QUEIROZ, Rachel. O Dia da Consciência Negra. O Estado de S.
Paulo, São Paulo, 23nov. 2002. Brasil, caderno 2, p. D16,
Vocabulário:
half-bread:mestiço.
marabá: mameluco.
meião, quarteirão e octorão: pessoas que têm,
respectivamente, metade, um quarto e um oitavo de
sangue negro.
“Black is beautiful”: “O negro é bonito
As palavras destacadas em “ se dizem
ALTIVAMENTE 'negros', quando isso não é verdade”
e “GENETICAMENTE puros - fósseis vivos - para
eles estudarem...)”, acrescentam um determinado
valor aos elementos a que se referem.
Nos dois casos, esse valor pode ser classificado
como:
Q812620
Português
Texto associado
Texto para responder à questão.
O Dia da Consciência Negra
[...]
O assunto é delicado; em questão de raça,
deve-se tocar nela com dedos de veludo. Pode ser
que eu esteja errada, mas parece que no tema de
raça, racismo, negritude, branquitude, nós caímos
em preconceito igual ao dos racistas. O europeu
colonizador tem - ou tinha - uma lei: teve uma parte de
sangue negro - é negro. Por pequena que seja a gota
de sangue negro no indivíduo, polui-se a nobre linfa
ariana, e o portador da mistura é "declarado negro”. E
os mestiços aceitam a definição e - meiões,
quarteirões, octorões - se dizem altivamente
“negros", quando isso não é verdade. Ao se afirmar
“negro” o mestiço faz bonito, pois assume no total a
cor que o branco despreza. Mas ao mesmo tempo
está assumindo também o preconceito do branco
contra o mestiço. Vira racista, porque, dizendo-se
negro, renega a sua condição de mulato, mestiço,
half-breed, meia casta, marabá, desprezados pela
branquidade. Aliás, é geral no mundo a noção
exacerbada de raça, que não afeta só os brancos,
mas os amarelos, vermelhos, negros; todos
desprezam o meia casta, exemplo vivo da infração à
lei tribal.
Eu acho que um povo mestiço, como nós,
deveria assumir tranquilamente essa sua condição
de mestiço; em vez de se dizer negro por bravata, por
desafio - o que é bonito, sinal de orgulho, mas sinal de
preconceito também. Os campeões nossos da
negritude, todos eles, se dizem simplesmente
negros. Acham feio, quem sabe até humilhante, se
declararem mestiços, ou meio brancos, como na
verdade o são. “Black is beautiful” eu também acho.
Mas mulato é lindo também, seja qual for a dose da
sua mistura de raça. Houve um tempo, antes de se
desenvolver no mundo a reação antirracista, em que
até se fazia aqui no Rio o concurso “rainha das
mulatas”. Mas a distinção só valia para a mulata
jovem e bela. Preconceito também e dos péssimos,
pois a mulata só era valorizada como objeto sexual,
capaz de satisfazer a consciência dos homens.
A gente não pode se deixar cair nessa
armadilha dos brancos. A gente tem de assumir a
nossa mulataria. Qual brasileiro pode jurar que tem
sangue “puro” nas veias, - branco, negro, árabe,
japonês?
Vejam a lição de Gilberto Freyre, tão bonita.
Nós todos somos mestiços, mulatos, morenos, em
dosagens várias. Os casos de branco puro são
exceção {como os de índios puros - tais os
remanescentes de tribos que certos antropólogos
querem manter isolados, geneticamente puros -
fósseis vivos - para eles estudarem...). Não vale indagar se a nossa avó chegou aqui de caravela ou de
navio negreiro, se nasceu em taba de índio ou na
casa-grande. Todas elas somos nós, qualquer
procedência Tudo é brasileiro. Quando uma amiga
minha, doutora, participante ilustre de um congresso
médico, me declarou orgulhosa “eu sou negra” - não
resisti e perguntei: “Por que você tem vergonha de ser
mulata?” Ela quase se zangou. Mas quem tinha razão
era eu. Na paixão da luta contra a estupidez dos
brancos, os mestiços caem justamente na posição
que o branco prega: negro de um lado, branco do
outro. Teve uma gota de sangue africano é negro -
mas tendo uma gota de sangue branco será
declarado branco? Não é.
Ah, meus irmãos, pensem bem. Mulata,
mulato também são bonitos e quanto! E nós todos
somos mesmo mestiços, com muita honra, ou
morenos, como o queria o grande Freyre. Raça
morena, estamos apurando. Daqui a 500 anos será
reconhecida como “zootecnicamente pura" tal como
se diz de bois e de cavalos. Se é assim que eles
gostam!
QUEIROZ, Rachel. O Dia da Consciência Negra. O Estado de S.
Paulo, São Paulo, 23nov. 2002. Brasil, caderno 2, p. D16,
Vocabulário:
half-bread:mestiço.
marabá: mameluco.
meião, quarteirão e octorão: pessoas que têm,
respectivamente, metade, um quarto e um oitavo de
sangue negro.
“Black is beautiful”: “O negro é bonito
O trecho “Aliás, é geral no mundo a noção
exacerbada de raça, que não afeta só os brancos,
mas os amarelos, vermelhos, negros; todos
desprezam o meia casta, exemplo vivo da infração à
lei tribal.” poderia ser reescrito, sem prejuízo de
significado nem do uso adequado da norma-padrão,
da seguinte forma:
Q812619
Português
Texto associado
Texto para responder à questão.
O Dia da Consciência Negra
[...]
O assunto é delicado; em questão de raça,
deve-se tocar nela com dedos de veludo. Pode ser
que eu esteja errada, mas parece que no tema de
raça, racismo, negritude, branquitude, nós caímos
em preconceito igual ao dos racistas. O europeu
colonizador tem - ou tinha - uma lei: teve uma parte de
sangue negro - é negro. Por pequena que seja a gota
de sangue negro no indivíduo, polui-se a nobre linfa
ariana, e o portador da mistura é "declarado negro”. E
os mestiços aceitam a definição e - meiões,
quarteirões, octorões - se dizem altivamente
“negros", quando isso não é verdade. Ao se afirmar
“negro” o mestiço faz bonito, pois assume no total a
cor que o branco despreza. Mas ao mesmo tempo
está assumindo também o preconceito do branco
contra o mestiço. Vira racista, porque, dizendo-se
negro, renega a sua condição de mulato, mestiço,
half-breed, meia casta, marabá, desprezados pela
branquidade. Aliás, é geral no mundo a noção
exacerbada de raça, que não afeta só os brancos,
mas os amarelos, vermelhos, negros; todos
desprezam o meia casta, exemplo vivo da infração à
lei tribal.
Eu acho que um povo mestiço, como nós,
deveria assumir tranquilamente essa sua condição
de mestiço; em vez de se dizer negro por bravata, por
desafio - o que é bonito, sinal de orgulho, mas sinal de
preconceito também. Os campeões nossos da
negritude, todos eles, se dizem simplesmente
negros. Acham feio, quem sabe até humilhante, se
declararem mestiços, ou meio brancos, como na
verdade o são. “Black is beautiful” eu também acho.
Mas mulato é lindo também, seja qual for a dose da
sua mistura de raça. Houve um tempo, antes de se
desenvolver no mundo a reação antirracista, em que
até se fazia aqui no Rio o concurso “rainha das
mulatas”. Mas a distinção só valia para a mulata
jovem e bela. Preconceito também e dos péssimos,
pois a mulata só era valorizada como objeto sexual,
capaz de satisfazer a consciência dos homens.
A gente não pode se deixar cair nessa
armadilha dos brancos. A gente tem de assumir a
nossa mulataria. Qual brasileiro pode jurar que tem
sangue “puro” nas veias, - branco, negro, árabe,
japonês?
Vejam a lição de Gilberto Freyre, tão bonita.
Nós todos somos mestiços, mulatos, morenos, em
dosagens várias. Os casos de branco puro são
exceção {como os de índios puros - tais os
remanescentes de tribos que certos antropólogos
querem manter isolados, geneticamente puros -
fósseis vivos - para eles estudarem...). Não vale indagar se a nossa avó chegou aqui de caravela ou de
navio negreiro, se nasceu em taba de índio ou na
casa-grande. Todas elas somos nós, qualquer
procedência Tudo é brasileiro. Quando uma amiga
minha, doutora, participante ilustre de um congresso
médico, me declarou orgulhosa “eu sou negra” - não
resisti e perguntei: “Por que você tem vergonha de ser
mulata?” Ela quase se zangou. Mas quem tinha razão
era eu. Na paixão da luta contra a estupidez dos
brancos, os mestiços caem justamente na posição
que o branco prega: negro de um lado, branco do
outro. Teve uma gota de sangue africano é negro -
mas tendo uma gota de sangue branco será
declarado branco? Não é.
Ah, meus irmãos, pensem bem. Mulata,
mulato também são bonitos e quanto! E nós todos
somos mesmo mestiços, com muita honra, ou
morenos, como o queria o grande Freyre. Raça
morena, estamos apurando. Daqui a 500 anos será
reconhecida como “zootecnicamente pura" tal como
se diz de bois e de cavalos. Se é assim que eles
gostam!
QUEIROZ, Rachel. O Dia da Consciência Negra. O Estado de S.
Paulo, São Paulo, 23nov. 2002. Brasil, caderno 2, p. D16,
Vocabulário:
half-bread:mestiço.
marabá: mameluco.
meião, quarteirão e octorão: pessoas que têm,
respectivamente, metade, um quarto e um oitavo de
sangue negro.
“Black is beautiful”: “O negro é bonito
“(como os de índios puros - tais os remanescentes de
tribos que certos antropólogos querem manter
isolados, geneticamente puros - fósseis vivos - para
eles estudarem...)". Em relação à “como os de índios
puros”, o trecho entre travessões tem o objetivo
principal de apresentar uma: