Assinale a alternativa que apresenta a relação adequada entr...
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Ano: 2025
Banca:
CPCON
Órgão:
Prefeitura de Nazarezinho - PB
Prova:
CPCON - 2025 - Prefeitura de Nazarezinho - PB - Professor de Educação Básica I - Ensino Fundamental (Anos Iniciais) |
Q3290110
Português
Texto associado
Leia o Texto I e responda à questão.
Texto I
Sexta-feira
Eram onze horas da noite de Sexta-feira da Paixão e eu caminhava sozinho por uma rua deserta de Ipanema, quando tive a
gélida sensação de que alguém me seguia. Voltei-me e não vi ninguém.
Prossegui a caminhada e foi como se a pessoa ou a coisa que me seguia tivesse se detido também, agarrada à minha sombra, e
logo se pusesse comigo a caminhar.
Tornei a olhar para trás, e desta vez confirmei o pressentimento que tivera, descobrindo meu silencioso seguidor. Era um cão.
A poucos passos de mim, sentado sobre as patas junto à parede de uma casa, ele esperava que eu prosseguisse no meu
caminho, fitando-me com olhos grandes de cão. Não sei há quanto tempo se esgueirava atrás de mim, e nem se trocaria o rumo de meus
passos pelos de outro que comigo cruzasse. O certo é que me seguia como a um novo dono e me olhava toda vez que me detinha, como
se buscasse no meu olhar assentimento para a sua ousadia de querer-me. No entanto, era um cão.
Associei a tristeza que pesava no luto da noite ao silêncio daquele bicho a seguir-me, insidioso, para onde eu fosse, e tive medo
– medo do meu destino empenhado ao destino de um mundo responsável naquele dia pela morte de um Deus ainda não ressuscitado.
Senti que acompanhava o rumo de meus pés no asfalto o remorso na forma de um cão, e o cansaço de ser homem, bicho miserável,
entregue à própria sorte de ter assassinado Deus e Homem Verdadeiro. Era como se aquele cão obstinado à minha cola denunciasse em
mim o anátema que pesava na noite sobre a humanidade inteira pelo crime ainda não resgatado – e meu desamparo de órfão, e a
consciência torturada pelas contradições desta vida, e todo o mistério que do bojo da noite escorria como sangue derramado, para
acompanhar-me os passos, configurado em cão. E não passava de um cão.
Um cão humilde e manso, terrível na sua pertinácia de tentar-me, medonho na sua insistência em incorporar-se ao meu destino
– mas não podia ser o demônio: perseverava apenas em oferecer-me a simples fidelidade própria dos cães e nada esperava em troca
senão correspondência à sua fome de afeição. Uma fome de cão.
Antes seria talvez algum amigo nele reencarnado e que desta maneira buscava olhar-me de um outro mundo, tendo escolhido
para transmitir-me a sua mensagem de amor justamente a noite em que a morte oferecia ao mundo a salvação pelo amor. E a simples
lembrança do amor já me salvava da morte, levando-me à inspiração menos tenebrosa: larguei o pensamento a distrair-se com a ideia
da metempsicose, pus-me a percorrer lentamente a lista de amigos mortos, para descobrir o que me poderia estar falando pelo olhar
daquele cão. Mas era apenas um cão.
E tanto era um cão que, ao atingir a esquina, deixou-se ficar para trás, subitamente cauteloso, tenso ante a presença, do lado
oposto da rua, de dois outros cães.
Detive-me à distância, para assistir à cena. Os dois outros cães também o haviam descoberto e vinham se aproximando. Ele
aguardava, na expectativa, já esquecido de mim. Os três cães agora se cheiravam mutuamente, sem cerimônia, naquela intimidade
primitiva em que o instinto prevalece e o mais forte impõe tacitamente o seu domínio. Depois me olharam em desafio até que eu me
afastasse, e meu breve companheiro se deixou ficar por ali, dominado pela presença dos outros dois, na fatalidade atávica que fazia
dele, desde o princípio dos tempos, um cão entre cães.
E agora era eu que, animal sozinho na noite, tinha de prosseguir sozinho no meu confuso itinerário de homem, sozinho, à
espera da ressureição do Deus morto e sem merecê-lo, e sem rumo certo, e sem ao menos um cão.
Fonte: SABINO, Fernando. As melhores crônicas de Fernando Sabino. São Paulo: Record, 1986, p. 151-153.
Assinale a alternativa que apresenta a relação adequada entre o termo destacado no fragmento e a unidade sintática correspondente.