Considere as afirmativas abaixo, com base nos textos 2 e 3....

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Q1789518 Português

Texto 2


Berna, 19 junho 1946.


Fernando,


Estivemos em Paris andando desde manhã até de noite. Aquela cidade é doida, é maravilhosa. De volta fomos diretamente para um apartamento novo, ainda novo, tudo encaixotado, estranho, desarrumado. Encontrei cartas de casa e vários recortes de jornal. E nota de Álvaro Lins dizendo que meus dois romances são mutilados e incompletos… Com o cansaço de Paris, no meio dos caixotes, femininamente e gripada chorei de desânimo e cansaço. Tudo o que ele diz é verdade. Não se pode fazer arte só porque se tem um temperamento infeliz e doidinho. Um desânimo profundo.


Acabei de passar uma semana das piores em relação ao trabalho. Nada presta, não sei por onde começar, não sei que atitude tome, não sei de nada. Digo a mim mesma: não adianta desesperar, desesperar é mais fácil ainda que trabalhar. Me mande um conselho, Fernando, e uma palavra bem amiga. Desculpe esta carta tola. Respondam depressa e eu mandarei uma muito boa, muito calma.


Fernando, Helena, um grande abraço.


Clarice


SABINO, Fernando; LISPECTOR, Clarice. Cartas perto do coração. 3 ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 20-23. [adaptado]



Texto 3


New York, 6 de julho de 1946.


Clarice,


Não posso te mandar nenhuma palavra animadora: sei que você deve estar se desesperando com o seu livro, que não vai, que não vai, pois também me desespero com o meu, tenho trabalhado a sério e sofrido muito. E como esse desespero vem de não saber por quê; saber como a gente acaba sabendo, mas intimamente desconhece que a angústia e a expectativa deprimente vêm de não saber por quê. Se te mandam quebrar pedra ou fazer um móvel, a inteligência vai te angustiar na procura do meio mais certo, mais eficiente e mais perfeito de quebrar ou de fazer. Mas a insaciedade que te faz artista vai te atirar numa procura muito mais afetiva, digna e criadora: saber o que é uma cadeira, e que proveito os outros tirarão da pedra que você vai quebrar. Só assim você estará sendo artista. Sem saber isso você será escravo.


Digo apenas que não concordo com você quando você diz que faz arte porque “tem um temperamento infeliz e doidinho”. Tenho uma grande, uma grande esperança em você e já te disse que você avançou na frente de todos nós. Apenas desejo intensamente que você não avance demais para não cair do outro lado. Tem de ser equilibrista até o final.


Agora, espero mais intensamente ainda que você descubra o que é que esse livro vai ser.


Um abraço do amigo,


Fernando


SABINO, Fernando; LISPECTOR, Clarice. Cartas perto do coração. 3 ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 24-31. [adaptado]

Considere as afirmativas abaixo, com base nos textos 2 e 3.
1. Infere-se, a partir dos trechos das cartas trocadas entre Clarice Lispector e Fernando Sabino, residindo fora do Brasil, que a criação literária, para os dois escritores, é um processo penosamente construído e não resultado de mera inspiração. 2. A carta de Fernando Sabino revela um homem sensível às necessidades da amiga, pois busca, atendendo ao pedido dela, dar um conselho, que pode ser assim resumido: o artista deve tentar saber o que será sua obra e como outros poderão se beneficiar com ela. 3. A crítica de Álvaro Lins aos romances de Clarice, reportada pela escritora em sua carta, é rebatida por Sabino ao dizer que discorda que os romances da amiga sejam mutilados e incompletos. 4. Uma clara evidência de intertextualidade é o fato de ambos os autores mencionarem o “temperamento infeliz e doidinho” de Clarice – característica que a escritora atribui a si própria como justificativa para sua arte, razão da qual Sabino diz discordar. 5. Sentimentos sombrios são a tônica das missivas: enquanto a carta de Clarice é marcada pelo desespero e desânimo por não ver sentido em seu ofício, a carta de Sabino revela um certo cinismo e impotência por não conseguir incentivar a amiga.
Assinale a alternativa que indica todas as afirmativas corretas.
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