Qual das alternativas abaixo traz o antônimo de pitoresco, ...
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Com base no mesmo assunto
Ano: 2025
Banca:
ADM&TEC
Órgão:
Prefeitura de João Alfredo - PE
Prova:
ADM&TEC - 2025 - Prefeitura de João Alfredo - PE - Auxiliar de Serviços Gerais |
Q3288398
Português
Texto associado
Leia o texto a seguir para responder a questão:
A última crônica (Fernando Sabino)
A caminho de casa, entro num botequim da Gávea
para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou
adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta.
Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um
ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de
cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo
de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência,
que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial,
ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou
num acidente doméstico, torno-me simples espectador e
perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar,
curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta
se repete na lembrança: “assim eu quereria o meu último
poema”. Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então
um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que
merecem uma crônica.
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de
sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo
da parede de espelhos. A compostura da humildade, na
contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela
presença de uma negrinha de seus três anos, laço na
cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou
também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou
correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres
esquivos que compõem em torno à mesa a instituição
tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que
se preparam para algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o
dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o
garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no
balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a
ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se
aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve,
concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para
atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a
reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu
lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem
atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, largao no pratinho – um bolo simples, amarelo-escuro, apenas
uma pequena fatia triangular.
A negrinha, contida na sua expectativa, olha a
garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à
sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três,
pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto
ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante,
retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de
fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um
animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe
espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela
serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas.
Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo
no mármore e sopra com força, apagando as chamas.
Imediatamente põe-se a bater palmas, muito
compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se
juntam, discretos: “Parabéns pra você, parabéns pra
você…”. Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las
na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas
mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando
para ela com ternura – ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo,
limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os
olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer
intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de
súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se
perturba, constrangido – vacila, ameaça abaixar a cabeça,
mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria minha última crônica: que fosse
pura como esse sorriso.
(Elenco de cronistas modernos. 21ª ed. Rio de Janeiro:
José Olympio, 2005.)
Qual das alternativas abaixo traz o antônimo de
pitoresco, palavra encontrada no início do texto lido?