Releia o trecho a seguir. Minha filha, ao meu lado, pede...

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Q496638 Português
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                                                                                   1º/4/1964 – Cena de rua

    Minha filha chega da escola dizendo que há revolução na rua. Em companhia de Carlos Drummond de Andrade,
meu vizinho no Posto 6, fui ver o que estava se passando.
    Vejo um general comandar alguns rapazes naquilo que mais tarde um repórter chamou de “gloriosa barricada”. Os
rapazes arrancam bancos e árvores impedem o cruzamento da av. Atlântica com a rua Joaquim Nabuco. O general
destina-se a missão mais importante: apanha dois paralelepípedos e concentra-se na façanha de colocar um em cima do
outro. Vendo-o em tarefa tão insignificante, pergunto-lhe para que aqueles paralelepípedos tão sabiamente colocados
um sobre o outro. “Isso é para impedir os tanques do 1º Exército!”
    Acreditava, até então, que dificilmente se deteria um exército com dois paralelepípedos ali na esquina da rua onde
moro. Ouço no rádio que a medida do general foi eficaz: o 1º Exército, em sabendo que havia tão sólida resistência,
desistiu do vexame: aderiu aos que se chamavam de rebeldes.
    Nessa altura, há confusão na av. N. S. de Copacabana, pois ninguém sabe o que significa “aderir aos rebeldes”. A
confusão é rápida. Não há rebeldes e todos, rebeldes ou não, aderem, que a natural tendência da humana espécie é
aderir. Erguem o general em triunfo. Vejo o bravo general passar em glória sobre minha cabeça.
    Olho o chão, os dois paralelepípedos lá estão, intactos, invencidos, um em cima do outro. Vou lá, com a ponta do
sapato tento derrubá-los. É coisa fácil. Das janelas, cai papel picado. Senhoras pias exibem seus pios lençóis e surge uma
bandeira nacional. Cantam o hino e declaram todos que a pátria está salva.
    Minha filha, ao meu lado, pede uma explicação para aquilo tudo. “É carnaval, papai?” “Não.” “É Copa do Mundo?”
“Também não.”
    Ela fica sem saber o que é. Eu também. Recolho-me ao sossego e sinto na boca um gosto azedo de covardia.

(Carlos Heitor Cony. Cena de rua. Folha de São Paulo. 01/04/2014.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/carlosheitorcony/2014/04/1433846-141964---cena-de-rua.shtml.)



Releia o trecho a seguir.

Minha filha, ao meu lado, pede uma explicação para aquilo tudo. “É carnaval, papai?” “Não.” “É Copa do Mundo?”
“Também não.”


As frases que aparecem entre aspas reproduzem um diálogo cujas falas foram enunciadas, respectivamente, pela filha,
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