Questões da Prova INEP - 2018 - ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio - Primeiro e Segundo Dia - PPL
Foram encontradas 27 questões
Resolva questões gratuitamente!
Junte-se a mais de 4 milhões de concurseiros!
Vez por outra, indo devolver um filme na locadora ou almoçar no árabe da rua de baixo, dobro uma esquina e tomo um susto. Ué, cadê o quarteirão que estava aqui? Onde na véspera havia casinhas geminadas, roseiras cuidadas por velhotas e janelas de adolescentes, cheias de adesivos, há apenas uma imensa cratera, cercada de tapumes. [...]
Em breve, do buraco brotará um prédio, com grandes garagens e minúsculas varandas, e será batizado de Arizona Hills, ou Maison Lacroix, ou Plaza de Marbella, e isso me entristece. Não só porque ficará mais feio meu caminho até a locadora, ou até o árabe na rua de baixo, mas porque é meu bairro que morre, devagarinho. Os bairros, como os homens, também têm um espírito. [...]
Às vezes, no fim da tarde, quando ouço o sino da igreja da Caiubi badalar seis vezes, quase acredito que estou numa cidade do interior. Aí saio para devolver os vídeos, olho para o lado, percebo que o quarteirão desapareceu e me dou conta de que estou em São Paulo, e que eu mesmo tenho minha cota de responsabilidade: moro no segundo andar de um prédio. [...] Ali embaixo, onde agora fica a garagem, já houve uma cratera, e antes dela o jardim de uma velhota e a janela de um adolescente, cheia de adesivos.
PRATA, A. Perdizes. In: Meio intelectual, meio de esquerda. São Paulo: Editora 34, 2010.
Na crônica, a incidência do contexto social sobre a voz
narrativa manifesta-se no(a)
TEXTO II
Manuel da Costa Ataíde (Mariana, MG, 1762-1830), assim como os demais artistas do seu tempo, recorria a bíblias e a missais impressos na Europa como ponto de partida para a seleção iconográfica das suas composições, que então recriava com inventiva liberdade.
Se Mário de Andrade houvesse conseguido a oportunidade de acesso aos meios de aproximação ótica da pintura dos forros de Manuel da Costa Ataíde, imaginamos como não teria vibrado com o mulatismo das figuras do mestre marianense, ratificando, ao lado de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, a sua percepção pioneira de um surto de racialidade brasileira em nossa terra, em pleno século XVIII.
FROTA, L. C. Ataíde: vida e obra de Manuel da Costa Ataíde. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
O Texto II destaca a inovação na representação artística
setecentista, expressa no Texto I pela
A orquestra atacou o tema que tantas vezes ouvi na vitrola de Matilde. Le maxixe!, exclamou o francês [...] e nos pediu que dançássemos para ele ver. Mas eu só sabia dançar a valsa, e respondi que ele me honraria tirando minha mulher. No meio do salão os dois se abraçaram e assim permaneceram, a se encarar. Súbito ele a girou em meia-volta, depois recuou o pé esquerdo, enquanto com o direito Matilde dava um longo passo adiante, e os dois estacaram mais um tempo, ela arqueada sobre o corpo dele. Era uma coreografia precisa, e me admirou que minha mulher conhecesse aqueles passos. O casal se entendia à perfeição, mas logo distingui o que nele foi ensinado do que era nela natural. O francês, muito alto, era um boneco de varas, jogando com uma boneca de pano. Talvez pelo contraste, ela brilhava entre dezenas de dançarinos, e notei que todo o cabaré se extasiava com a sua exibição. Todavia, olhando bem, eram pessoas vestidas, ornadas, pintadas com deselegância, e foi me parecendo que também em Matilde, em seus movimentos de ombros e quadris, havia excesso. A orquestra não dava pausa, a música era repetitiva, a dança se revelou vulgar, pela primeira vez julguei meio vulgar a mulher com quem eu tinha me casado. Depois de meia hora eles voltaram se abanando, e escorria suor pelo colo de Matilde decote abaixo. Bravô, eu gritei, bravô, e ainda os estimulei a dançar o próximo tango, mas Dubosc disse que já era tarde, e que eu tinha um ar fatigado.
CHICO BUARQUE. Leite derramado. São Paulo: Cia. das Letras, 2009.
Os recursos expressivos de um texto literário fornecem pistas aos leitores sobre a percepção dos personagens em relação aos eventos da narrativa. No fragmento, constitui um aspecto relevante para a compreensão das intenções do narrador a
esse cão que me segue
é minha família, minha vida
ele tem frio mas não late nem pede
ele sabe que o que eu tenho
divido com ele, o que eu não tenho
também divido com ele
ele é meu irmão
ele é que é meu dono
bicho se é por destino sina ou sorte
só faltando saber se bicho decente
bicho de casa, bicho de carro, bicho
no trânsito, se bicho sem norte na fila
se bicho no mangue, se bicho na brecha
se bicho na mira, se bicho no sangue
catar papel é profissão, catar papel
revela o segredo das coisas, tem
muita coisa sendo jogada fora
muita pessoa sendo jogada fora
OLIVEIRA, V. L. O músculo amargo do mundo. São Paulo: Escrituras, 2014.
No poema, os elementos presentes do campo de percepção do eu lírico evocam um realinhamento de significados, uma vez que
TEXTO III
A arte pode estar, às vezes, muito mais preparada do
que a ciência para captar o devir e a fluidez do mundo,
pois o artista não quer manipular, mas sim “habitar” as
coisas. O famoso artista francês Rodin, no seu livro
L’Art (A Arte, 1911), comenta que a técnica de fotografia
em série, mostrando todos os momentos do galope de
um cavalo em diversos quadros, apesar de seu grande
realismo, não é capaz de capturar o movimento. O corpo
do animal é fotografado em diferentes posições, mas
ele não parece estar galopando: “na imagem científica
[fotográfica], o tempo é suspenso bruscamente”.
Para Rodin, um pintor é capaz, em única cena, de nos transmitir a experiência de ver um cavalo de corrida, e isso porque ele representa o animal em um movimento ambíguo, em que os membros traseiros e dianteiros parecem estar em instantes diferentes. Rodin diz que essa exposição talvez seja logicamente inconcebível, mas é paradoxalmente muito mais adequada à maneira como o movimento se dá: “o artista é verdadeiro e a fotografia mentirosa, pois na realidade o tempo não para”.
FEITOSA, C. Explicando a filosofia com arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004
Observando-se as imagens (Textos I e II), o paradoxo
apontado por Rodin (Texto III) procede e cria uma maneira
original de perceber a relação entre a arte e a técnica,
porque o(a)