De volta pra casa: decolonização na paleontologia
A primeira ilustração de um fóssil brasileiro foi publicada no
livro Viagem pelo Brasil, dos naturalistas alemães Johann B. von
Spix (1781-1826) e Carl F. P. von Martius (1794-1868). Ambos
fizeram parte da comitiva da arquiduquesa austríaca Maria Leopoldina (1797-1826), quando ela veio para o país devido ao seu
casamento com D. Pedro I. O material ilustrado em 1823 pode ser
identificado como uma arcada de um mastodonte (parente distante
extinto dos elefantes) do Pleistoceno (há aproximadamente 12 mil
anos) e um peixe dos depósitos cretáceos (110 milhões de anos) da
bacia do Araripe, no nordeste brasileiro.
Mas o mundo mudou e, graças à ação de muitos pesquisadores,
o Brasil passou a ter várias instituições para abrigar essas riquezas, que evidenciam a diversificação da vida no tempo profundo.
Hoje, a comunidade de paleontólogos, apoiada por pesquisadores
e pessoas de diversas partes do mundo, tem procurado despertar
a atenção para que fósseis relevantes não deixem mais o país e as
principais peças que já não estão mais aqui sejam trazidas de volta.
Trata-se de uma espécie de decolonização da paleontologia, um
movimento de repatriação de exemplares importantes que tenham
sido retirados do Brasil à revelia, impedindo o enriquecimento da
cultura e da pesquisa brasileiras.
Não são poucos os exemplares brasileiros importantes que se
encontram depositados no exterior. Dinossauros, pterossauros, insetos, peixes e plantas - a maior parte retirada de forma duvidosa
do território nacional e, às vezes, com uma aparente conivência
do órgão fiscalizador - foram descritos ao longo de décadas e
enriquecem museus estrangeiros, principalmente na Europa e na
América do Norte. Os depósitos brasileiros mais afetados são
os encontrados na bacia do Araripe, curiosamente, de onde provém um daqueles dois primeiros fósseis brasileiros ilustrados. O
motivo principal é a riqueza do material dessa região: numeroso,
diversificado e, sobretudo, muito bem preservado, o que encanta
pesquisadores e públicos em todo o mundo.
No entanto, se, em determinado momento histórico, a saída
de material paleontológico poderia encontrar alguma justificativa
(mesmo que passível de questionamento), o mesmo não ocorre nos
dias de hoje. A legislação vigente no Brasil regula o trabalho com
fósseis no país e dispõe sobre sua proteção, com destaque para o
Decreto-Lei n.º 4.146, publicado em 1942, durante o governo de
Getúlio Vargas. De forma simplificada, como, pela Constituição
Federal, os bens encontrados no subsolo pertencem à União, todos
que queiram fazer extração de fósseis necessitam de uma autorização da Agência Nacional de Mineração, com exceção dos pesquisadores que estejam vinculados a uma instituição de pesquisa e
ensino.
(Texto de Alexander W. A. Kellner, disponível em https://cienciahoje.org.br/artigo/de-volta-pra-casa-decolonizacao-na-paleontologia/. Adaptado.)