Questões da Prova VUNESP - 2011 - UNESP - Vestibular
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A literatura em perigo
A análise das obras feita na escola não deveria mais ter
por objetivo ilustrar os conceitos recém-introduzidos por este
ou aquele linguista, este ou aquele teórico da literatura, quando,
então, os textos são apresentados como uma aplicação da
língua e do discurso; sua tarefa deveria ser a de nos fazer ter
acesso ao sentido dessas obras — pois postulamos que esse
sentido, por sua vez, nos conduz a um conhecimento do humano,
o qual importa a todos. Como já o disse, essa ideia não é
estranha a uma boa parte do próprio mundo do ensino; mas é
necessário passar das ideias à ação. Num relatório estabelecido
pela Associação dos Professores de Letras, podemos ler:
“O estudo de Letras implica o estudo do homem, sua relação
consigo mesmo e com o mundo, e sua relação com os outros.”
Mais exatamente, o estudo da obra remete a círculos concêntricos
cada vez mais amplos: o dos outros escritos do mesmo
autor, o da literatura nacional, o da literatura mundial; mas
seu contexto final, o mais importante de todos, nos é efetivamente
dado pela própria existência humana. Todas as grandes
obras, qualquer que seja sua origem, demandam uma reflexão
dessa dimensão.
O que devemos fazer para desdobrar o sentido de uma
obra e revelar o pensamento do artista? Todos os “métodos”
são bons, desde que continuem a ser meios, em vez de se tornarem
fins em si mesmos. (...)
(...)
(...) Sendo o objeto da literatura a própria condição humana,
aquele que a lê e a compreende se tornará não um
especialista em análise literária, mas um conhecedor do ser
humano. Que melhor introdução à compreensão das paixões
e dos comportamentos humanos do que uma imersão na obra
dos grandes escritores que se dedicam a essa tarefa há milênios?
E, de imediato: que melhor preparação pode haver para
todas as profissões baseadas nas relações humanas? Se entendermos
assim a literatura e orientarmos dessa maneira o seu
ensino, que ajuda mais preciosa poderia encontrar o futuro
estudante de direito ou de ciências políticas, o futuro assistente
social ou psicoterapeuta, o historiador ou o sociólogo? Ter
como professores Shakespeare e Sófocles, Dostoievski e Proust
não é tirar proveito de um ensino excepcional? E não se vê que
mesmo um futuro médico, para exercer o seu ofício, teria mais
a aprender com esses mesmos professores do que com os manuais
preparatórios para concurso que hoje determinam o seu
destino? Assim, os estudos literários encontrariam o seu lugar
no coração das humanidades, ao lado da história dos eventos
e das ideias, todas essas disciplinas fazendo progredir o pensamento
e se alimentando tanto de obras quanto de doutrinas,
tanto de ações políticas quanto de mutações sociais, tanto da
vida dos povos quanto da de seus indivíduos.
Se aceitarmos essa finalidade para o ensino literário, o
qual não serviria mais unicamente à reprodução dos professores
de Letras, podemos facilmente chegar a um acordo sobre
o espírito que o deve conduzir: é necessário incluir as obras
no grande diálogo entre os homens, iniciado desde a noite dos
tempos e do qual cada um de nós, por mais ínfimo que seja,
ainda participa. “É nessa comunicação inesgotável, vitoriosa
do espaço e do tempo, que se afirma o alcance universal da
literatura”, escrevia Paul Bénichou. A nós, adultos, nos cabe
transmitir às novas gerações essa herança frágil, essas palavras
que ajudam a viver melhor.
(Tzvetan Todorov. A literatura em perigo. 2 ed.Trad. Caio Meira. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009, p. 89-94.)
A literatura em perigo
A análise das obras feita na escola não deveria mais ter
por objetivo ilustrar os conceitos recém-introduzidos por este
ou aquele linguista, este ou aquele teórico da literatura, quando,
então, os textos são apresentados como uma aplicação da
língua e do discurso; sua tarefa deveria ser a de nos fazer ter
acesso ao sentido dessas obras — pois postulamos que esse
sentido, por sua vez, nos conduz a um conhecimento do humano,
o qual importa a todos. Como já o disse, essa ideia não é
estranha a uma boa parte do próprio mundo do ensino; mas é
necessário passar das ideias à ação. Num relatório estabelecido
pela Associação dos Professores de Letras, podemos ler:
“O estudo de Letras implica o estudo do homem, sua relação
consigo mesmo e com o mundo, e sua relação com os outros.”
Mais exatamente, o estudo da obra remete a círculos concêntricos
cada vez mais amplos: o dos outros escritos do mesmo
autor, o da literatura nacional, o da literatura mundial; mas
seu contexto final, o mais importante de todos, nos é efetivamente
dado pela própria existência humana. Todas as grandes
obras, qualquer que seja sua origem, demandam uma reflexão
dessa dimensão.
O que devemos fazer para desdobrar o sentido de uma
obra e revelar o pensamento do artista? Todos os “métodos”
são bons, desde que continuem a ser meios, em vez de se tornarem
fins em si mesmos. (...)
(...)
(...) Sendo o objeto da literatura a própria condição humana,
aquele que a lê e a compreende se tornará não um
especialista em análise literária, mas um conhecedor do ser
humano. Que melhor introdução à compreensão das paixões
e dos comportamentos humanos do que uma imersão na obra
dos grandes escritores que se dedicam a essa tarefa há milênios?
E, de imediato: que melhor preparação pode haver para
todas as profissões baseadas nas relações humanas? Se entendermos
assim a literatura e orientarmos dessa maneira o seu
ensino, que ajuda mais preciosa poderia encontrar o futuro
estudante de direito ou de ciências políticas, o futuro assistente
social ou psicoterapeuta, o historiador ou o sociólogo? Ter
como professores Shakespeare e Sófocles, Dostoievski e Proust
não é tirar proveito de um ensino excepcional? E não se vê que
mesmo um futuro médico, para exercer o seu ofício, teria mais
a aprender com esses mesmos professores do que com os manuais
preparatórios para concurso que hoje determinam o seu
destino? Assim, os estudos literários encontrariam o seu lugar
no coração das humanidades, ao lado da história dos eventos
e das ideias, todas essas disciplinas fazendo progredir o pensamento
e se alimentando tanto de obras quanto de doutrinas,
tanto de ações políticas quanto de mutações sociais, tanto da
vida dos povos quanto da de seus indivíduos.
Se aceitarmos essa finalidade para o ensino literário, o
qual não serviria mais unicamente à reprodução dos professores
de Letras, podemos facilmente chegar a um acordo sobre
o espírito que o deve conduzir: é necessário incluir as obras
no grande diálogo entre os homens, iniciado desde a noite dos
tempos e do qual cada um de nós, por mais ínfimo que seja,
ainda participa. “É nessa comunicação inesgotável, vitoriosa
do espaço e do tempo, que se afirma o alcance universal da
literatura”, escrevia Paul Bénichou. A nós, adultos, nos cabe
transmitir às novas gerações essa herança frágil, essas palavras
que ajudam a viver melhor.
(Tzvetan Todorov. A literatura em perigo. 2 ed.Trad. Caio Meira. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009, p. 89-94.)
Com base no fato de que a palavra “imersão", usada na expressão uma imersão na obra, caracteriza uma metáfora, indique a alternativa que elimina essa metáfora sem perda relevante de sentido:
Elegia na morte de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes,
poeta e cidadão
A morte chegou pelo interurbano em longas espirais metálicas.
Era de madrugada. Ouvi a voz de minha mãe, viúva.
De repente não tinha pai.
No escuro de minha casa em Los Angeles procurei recompor
[tua lembrança
Depois de tanta ausência. Fragmentos da infância
Boiaram do mar de minhas lágrimas. Vi-me eu menino
Correndo ao teu encontro. Na ilha noturna
Tinham-se apenas acendido os lampiões a gás, e a clarineta
De Augusto geralmente procrastinava a tarde.
Era belo esperar-te, cidadão. O bondinho
Rangia nos trilhos a muitas praias de distância...
Dizíamos: “Ê-vem meu pai!”. Quando a curva
Se acendia de luzes semoventes*, ah, corríamos
Corríamos ao teu encontro. A grande coisa era chegar antes
Mas ser marraio** em teus braços, sentir por último
Os doces espinhos da tua barba.
Trazias de então uma expressão indizível de fidelidade e
[paciência
Teu rosto tinha os sulcos fundamentais da doçura
De quem se deixou ser. Teus ombros possantes
Se curvavam como ao peso da enorme poesia
Que não realizaste. O barbante cortava teus dedos
Pesados de mil embrulhos: carne, pão, utensílios
Para o cotidiano (e frequentemente o binóculo
Que vivias comprando e com que te deixavas horas inteiras
Mirando o mar). Dize-me, meu pai
Que viste tantos anos através do teu óculo de alcance
Que nunca revelaste a ninguém?
Vencias o percurso entre a amendoeira e a casa como o atleta
[exausto no último lance da maratona.
Te grimpávamos. Eras penca de filho. Jamais
Uma palavra dura, um rosnar paterno. Entravas a casa
humilde
A um gesto do mar. A noite se fechava
Sobre o grupo familial como uma grande porta espessa.
Muitas vezes te vi desejar. Desejavas. Deixavas-te olhando
[o mar
Com mirada de argonauta. Teus pequenos olhos feios
Buscavam ilhas, outras ilhas... — as imaculadas, inacessíveis
Ilhas do Tesouro. Querias. Querias um dia aportar
E trazer — depositar aos pés da amada as joias fulgurantes
Do teu amor. Sim, foste descobridor, e entre eles
Dos mais provectos***. Muitas vezes te vi, comandante
Comandar, batido de ventos, perdido na fosforência
De vastos e noturnos oceanos
Sem jamais.
Deste-nos pobreza e amor. A mim me deste
A suprema pobreza: o dom da poesia, e a capacidade de amar
Em silêncio. Foste um pobre. Mendigavas nosso amor
Em silêncio. Foste um no lado esquerdo. Mas
Teu amor inventou. Financiaste uma lancha
Movida a água: foi reta para o fundo. Partiste um dia
Para um brasil além, garimpeiro sem medo e sem mácula.
Doze luas voltaste. Tua primogênita — diz-se —
Não te reconheceu. Trazias grandes barbas e pequenas
[águas-marinhas.
(Vinicius de Moraes. Antologia poética. 11 ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1974, p. 180-181.)
(*) Semovente: “Que ou o que anda ou se move por si próprio.”
(**) Marraio: “No gude e noutros jogos, palavra que dá, a quem
primeiro a grita, o direito de ser o último a jogar.”
(***) Provecto: “Que conhece muito um assunto ou uma ciência,
experiente, versado, mestre.”
(Dicionário Eletrônico Houaiss)
O emprego da palavra brasil com inicial minúscula, no poema de Vinicius, tem a seguinte justificativa:
Elegia na morte de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes,
poeta e cidadão
A morte chegou pelo interurbano em longas espirais metálicas.
Era de madrugada. Ouvi a voz de minha mãe, viúva.
De repente não tinha pai.
No escuro de minha casa em Los Angeles procurei recompor
[tua lembrança
Depois de tanta ausência. Fragmentos da infância
Boiaram do mar de minhas lágrimas. Vi-me eu menino
Correndo ao teu encontro. Na ilha noturna
Tinham-se apenas acendido os lampiões a gás, e a clarineta
De Augusto geralmente procrastinava a tarde.
Era belo esperar-te, cidadão. O bondinho
Rangia nos trilhos a muitas praias de distância...
Dizíamos: “Ê-vem meu pai!”. Quando a curva
Se acendia de luzes semoventes*, ah, corríamos
Corríamos ao teu encontro. A grande coisa era chegar antes
Mas ser marraio** em teus braços, sentir por último
Os doces espinhos da tua barba.
Trazias de então uma expressão indizível de fidelidade e
[paciência
Teu rosto tinha os sulcos fundamentais da doçura
De quem se deixou ser. Teus ombros possantes
Se curvavam como ao peso da enorme poesia
Que não realizaste. O barbante cortava teus dedos
Pesados de mil embrulhos: carne, pão, utensílios
Para o cotidiano (e frequentemente o binóculo
Que vivias comprando e com que te deixavas horas inteiras
Mirando o mar). Dize-me, meu pai
Que viste tantos anos através do teu óculo de alcance
Que nunca revelaste a ninguém?
Vencias o percurso entre a amendoeira e a casa como o atleta
[exausto no último lance da maratona.
Te grimpávamos. Eras penca de filho. Jamais
Uma palavra dura, um rosnar paterno. Entravas a casa
humilde
A um gesto do mar. A noite se fechava
Sobre o grupo familial como uma grande porta espessa.
Muitas vezes te vi desejar. Desejavas. Deixavas-te olhando
[o mar
Com mirada de argonauta. Teus pequenos olhos feios
Buscavam ilhas, outras ilhas... — as imaculadas, inacessíveis
Ilhas do Tesouro. Querias. Querias um dia aportar
E trazer — depositar aos pés da amada as joias fulgurantes
Do teu amor. Sim, foste descobridor, e entre eles
Dos mais provectos***. Muitas vezes te vi, comandante
Comandar, batido de ventos, perdido na fosforência
De vastos e noturnos oceanos
Sem jamais.
Deste-nos pobreza e amor. A mim me deste
A suprema pobreza: o dom da poesia, e a capacidade de amar
Em silêncio. Foste um pobre. Mendigavas nosso amor
Em silêncio. Foste um no lado esquerdo. Mas
Teu amor inventou. Financiaste uma lancha
Movida a água: foi reta para o fundo. Partiste um dia
Para um brasil além, garimpeiro sem medo e sem mácula.
Doze luas voltaste. Tua primogênita — diz-se —
Não te reconheceu. Trazias grandes barbas e pequenas
[águas-marinhas.
(Vinicius de Moraes. Antologia poética. 11 ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1974, p. 180-181.)
(*) Semovente: “Que ou o que anda ou se move por si próprio.”
(**) Marraio: “No gude e noutros jogos, palavra que dá, a quem
primeiro a grita, o direito de ser o último a jogar.”
(***) Provecto: “Que conhece muito um assunto ou uma ciência,
experiente, versado, mestre.”
(Dicionário Eletrônico Houaiss)
Esta imagem significa, nos versos em que surge,
Elegia na morte de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes,
poeta e cidadão
A morte chegou pelo interurbano em longas espirais metálicas.
Era de madrugada. Ouvi a voz de minha mãe, viúva.
De repente não tinha pai.
No escuro de minha casa em Los Angeles procurei recompor
[tua lembrança
Depois de tanta ausência. Fragmentos da infância
Boiaram do mar de minhas lágrimas. Vi-me eu menino
Correndo ao teu encontro. Na ilha noturna
Tinham-se apenas acendido os lampiões a gás, e a clarineta
De Augusto geralmente procrastinava a tarde.
Era belo esperar-te, cidadão. O bondinho
Rangia nos trilhos a muitas praias de distância...
Dizíamos: “Ê-vem meu pai!”. Quando a curva
Se acendia de luzes semoventes*, ah, corríamos
Corríamos ao teu encontro. A grande coisa era chegar antes
Mas ser marraio** em teus braços, sentir por último
Os doces espinhos da tua barba.
Trazias de então uma expressão indizível de fidelidade e
[paciência
Teu rosto tinha os sulcos fundamentais da doçura
De quem se deixou ser. Teus ombros possantes
Se curvavam como ao peso da enorme poesia
Que não realizaste. O barbante cortava teus dedos
Pesados de mil embrulhos: carne, pão, utensílios
Para o cotidiano (e frequentemente o binóculo
Que vivias comprando e com que te deixavas horas inteiras
Mirando o mar). Dize-me, meu pai
Que viste tantos anos através do teu óculo de alcance
Que nunca revelaste a ninguém?
Vencias o percurso entre a amendoeira e a casa como o atleta
[exausto no último lance da maratona.
Te grimpávamos. Eras penca de filho. Jamais
Uma palavra dura, um rosnar paterno. Entravas a casa
humilde
A um gesto do mar. A noite se fechava
Sobre o grupo familial como uma grande porta espessa.
Muitas vezes te vi desejar. Desejavas. Deixavas-te olhando
[o mar
Com mirada de argonauta. Teus pequenos olhos feios
Buscavam ilhas, outras ilhas... — as imaculadas, inacessíveis
Ilhas do Tesouro. Querias. Querias um dia aportar
E trazer — depositar aos pés da amada as joias fulgurantes
Do teu amor. Sim, foste descobridor, e entre eles
Dos mais provectos***. Muitas vezes te vi, comandante
Comandar, batido de ventos, perdido na fosforência
De vastos e noturnos oceanos
Sem jamais.
Deste-nos pobreza e amor. A mim me deste
A suprema pobreza: o dom da poesia, e a capacidade de amar
Em silêncio. Foste um pobre. Mendigavas nosso amor
Em silêncio. Foste um no lado esquerdo. Mas
Teu amor inventou. Financiaste uma lancha
Movida a água: foi reta para o fundo. Partiste um dia
Para um brasil além, garimpeiro sem medo e sem mácula.
Doze luas voltaste. Tua primogênita — diz-se —
Não te reconheceu. Trazias grandes barbas e pequenas
[águas-marinhas.
(Vinicius de Moraes. Antologia poética. 11 ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1974, p. 180-181.)
(*) Semovente: “Que ou o que anda ou se move por si próprio.”
(**) Marraio: “No gude e noutros jogos, palavra que dá, a quem
primeiro a grita, o direito de ser o último a jogar.”
(***) Provecto: “Que conhece muito um assunto ou uma ciência,
experiente, versado, mestre.”
(Dicionário Eletrônico Houaiss)