FACE A FACE
Mário Viana
Telefonar voltou à moda. Depois de uma temporada
intensa de e-mails, posts, voice-mails, memes e emojis, a
quarentena nos fez redescobrir o prazer de ver os amigos –
nem que seja pelo distanciamento social da chamada de vídeo.
Quando o rosto conhecido surge na telinha do celular, falando
de verdade com você, é como se um novo mundo antigo se
descortinasse.
Chamadas de vídeo lembram as festas de Natal de nossa
infância, na parte em que a madrinha chegava carregando um
presente bem vistoso. Só depois de adultos é que fomos
descobrir as arapucas ocultas em cada rabanada. Na infância,
bastava um pacote embrulhado em papel colorido pra coisa
ficar excitante.
Em tempos de isolamentos e rostos cobertos por
máscaras, tem de haver um jeito de se sentir sócio do clube. A
tecnologia tem dado conta do recado, com limites. Grupos de
trabalho e debates, como os dos aplicativos Zoom e Team, são
ótimos pra resolver problemas e esclarecer dúvidas, mas não
suprem nossa carência de humanidade.
Como disse um amigo esta semana, os aplicativos são os
terrenos onde praticamos pequenos monólogos. Dificilmente
alguém interrompe quem está falando. Falta a incompletude
do diálogo, que só o telefonema permite.
Quantas frases interrompidas, quantos assuntos
deixados pela metade, quantos temas que mudam como o
vento! Que delícia tudo isso! Tem nada melhor que desligar e
bater na testa, esqueci de falar tal coisa. Ligação boa sempre
deixa um rabicho de fora, desculpa esfarrapada pra outro
telefonema – que, muitas vezes, não será dado.
Na chamada de vídeo, ninguém fica esplendoroso. O bom
é que ninguém também fica assustador – exceto os casos
perdidos, claro. Alguns de nós ficam sem saber pra onde dirigir
o olhar e outros se atrapalham com os ruídos corporais que
podem atravessar o espaço através do celular.
Sempre checamos nossa imagem, na pequena telinha
que aparece como encarte. O cabelo está bom? Não, mas é o
que temos para o momento. A roupa, a voz, parece até que
vamos corrigir alguma coisa. Mas quando a conversa engata,
esquecemos desses detalhes bestas – assim como na vida real.
Muitas vezes, o melhor vem no fim, quando a conversa
termina. Sobra um sorriso meio bobo na cara, aquela euforia
de quem passou um dia gostoso na praia. A sensação de ter
vivido um momento de prazer é o melhor efeito colateral
dessas microtelevisões só nossas.
Fonte: https://vianices.wordpress.com/2020/07/26/face-a-face/