Texto I
Estava certo. Era preciso passar pelo menos um
ano em lugar de bom clima e meu pai decidira
mandar-me para Vila da Mata onde os Pereira,
nossos primos, me ofereciam a fazenda do Córrego
Fundo. O doutor dissera que eu tinha uma lesão de
primeiro grau no pulmão direito. Sua luneta de
tartaruga, de cordão preto atrás da orelha, dava-lhe
um ar sábio infalível. Eu não acreditava na lesão,
mas acreditava no doutor.
À noite, meu pai, já conformado com a ideia da
moléstia e da minha próxima ausência, veio ver-me
no quarto, fingindo bom humor.
- Então, seu chefe, as malas estão prontas?
Nem estavam prontas, nem eu tinha vontade de
prepará-las para tal viagem. Francamente ia meterme naquela remota Vila da Mata? Que ideia! Muito
mais divertido seria tratar-me na Europa... Na
Suíça, por exemplo. Sim, por que não na Suíça?
Realmente!
- Meu pai, se você me deixa ir para a Suíça, eu
prometo ficar quietinho num sanatório o tempo todo
que você queira. Fico dois, fico três anos. Mas, Vila
da Mata, deve ser um degredo. Como é que eu
poderia suportar todo um ano na fazenda dos
Pereira? Tenho horror à roça, você não ignora.
- Não senhor, não senhor. O médico é quem
sabe. Ele acha excelente o clima de Vila da Mata.
Além do que, você estando com os Pereira, não
poderá fazer extravagâncias... Terá que proceder
com muito juízo. Eles me trarão ao corrente de seus
passos...
Sorriu com ar de triunfo. No fundo, a preocupação
de meu pai era apenas aquela: impedir-me de fazer
o que ele chamava “extravagância”. Eu
compreendia.
(COUTO, Ribeiro. Cabocla. Rio de Janeiro: Ediouro, 17ª Ed. P.13)