Questões de Concurso Comentadas sobre português para instituto consulplan

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Q2312730 Português
Restos de Carnaval


          Não, não deste último Carnaval. Mas não sei por que este me transportou para a minha infância e para as quartas-feiras de cinzas nas ruas mortas onde esvoaçavam despojos de serpentina e confete. Uma ou outra beata com um véu cobrindo a cabeça ia à igreja, atravessando a rua tão extremamente vazia que se segue ao Carnaval. Até que viesse o outro ano.
          E quando a festa ia se aproximando, como explicar a agitação íntima que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu.
          No entanto, na realidade, eu dele pouco participava. Nunca tinha ido a um baile infantil, nunca me haviam fantasiado. Em compensação deixavam-me ficar até umas 11 horas da noite à porta do pé de escada do sobrado onde morávamos, olhando ávida os outros se divertirem.
          E as máscaras? Eu tinha medo, mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara. À porta do meu pé de escada, se um mascarado falava comigo, eu de súbito entrava no contato indispensável com o meu mundo interior, que não era feito só de duendes e príncipes encantados, mas de pessoas com o seu mistério. Até meu susto com os mascarados, pois, era essencial para mim.
          Não me fantasiavam: no meio das preocupações com minha mãe doente, ninguém em casa tinha cabeça para Carnaval de criança. Mas eu pedia a uma de minhas irmãs para enrolar aqueles meus cabelos lisos que me causavam tanto desgosto e tinha então a vaidade de possuir cabelos frisados pelo menos durante três dias por ano. Nesses três dias, ainda, minha irmã acedia ao meu sonho intenso de ser uma moça – eu mal podia esperar pela saída de uma infância vulnerável – e pintava minha boca de batom bem forte, passando também ruge nas minhas faces. Então eu me sentia bonita e feminina, eu escapava da meninice.
           Mas houve um Carnaval diferente dos outros. Tão milagroso que eu não conseguia acreditar que tanto me fosse dado, eu, que já aprendera a pedir pouco. É que a mãe de uma amiga minha resolvera fantasiar a filha e o nome da fantasia era no figurino rosa. Para isso comprara folhas e folhas de papel crepom cor-de-rosa, com as quais, suponho, pretendia imitar as pétalas de uma flor. Boquiaberta, eu assistia pouco a pouco à fantasia tomando forma e se criando. Embora de pétalas o papel crepom nem de longe lembrasse, eu pensava seriamente que era uma das fantasias mais belas que jamais vira.
           Foi quando aconteceu, por simples acaso, o inesperado: sobrou papel crepom, e muito. E a mãe de minha amiga – talvez atendendo a meu apelo mudo, ao meu mudo desespero de inveja, ou talvez por pura bondade, já que sobrara papel – resolveu fazer para mim também uma fantasia de rosa com o que restara de material. Naquele Carnaval, pois, pela primeira vez na vida, eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma.
           Mas por que exatamente aquele Carnaval, o único de fantasia, teve que ser tão melancólico? De manhã cedo no domingo eu já estava de cabelos enrolados para que até de tarde o frisado pegasse bem. Mas os minutos não passavam, de tanta ansiedade. Enfim, enfim! Chegaram três horas da tarde: com cuidado para não rasgar o papel, eu me vesti de rosa.
          Quando eu estava vestida de papel crepom todo armado, ainda com os cabelos enrolados e ainda sem batom e ruge – minha mãe de súbito piorou muito de saúde, um alvoroço repentino se criou em casa e mandaram-me comprar depressa um remédio na farmácia. Fui correndo vestida de rosa – mas o rosto ainda nu não tinha a máscara de moça que cobriria minha tão exposta vida infantil – fui correndo, correndo, perplexa, atônita, entre serpentinas, confetes e gritos de Carnaval. A alegria dos outros me espantava.
             Quando horas depois a atmosfera em casa acalmou-se, minha irmã me penteou e pintou-me. Mas alguma coisa tinha morrido em mim. E, como nas histórias que eu havia lido sobre fadas que encantavam e desencantavam pessoas, eu fora desencantada; não era mais uma rosa, era de novo uma simples menina. Desci até a rua e ali de pé eu não era uma flor, era um palhaço pensativo de lábios encarnados. Na minha fome de sentir êxtase, às vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me do estado grave de minha mãe e de novo eu morria.
           Só horas depois é que veio a salvação. E se depressa agarrei-me a ela é porque tanto precisava me salvar. Um menino de uns 12 anos, o que para mim significava um rapaz, esse menino muito bonito parou diante de mim e, numa mistura de carinho, grossura, brincadeira e sensualidade, cobriu meus cabelos, já lisos, de confete: por um instante ficamos nos defrontando, sorrindo, sem falar. E eu então, mulherzinha de 8 anos, considerei pelo resto da noite que enfim alguém me havia reconhecido: eu era, sim, uma rosa.

(LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro. Rocco. 1999. Jornal do Brasil. Em: 16/03/1968.)
No trecho “Eu tinha medo, mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara.” (4º§), as orações iniciadas pelas conjunções “mas” e “porque” especificam, respectivamente, ideias de:
Alternativas
Q2309541 Português
Médico destaca a importância da terapia ocupacional no tratamento de pessoas com autismo


        A terapia ocupacional é uma área da saúde que se concentra em ajudar as pessoas a alcançar uma boa saúde e bem-estar físico, mental e emocional por meio da envolvência em atividades cotidianas significativas. O tratamento do autismo é uma das principais áreas em que a terapia ocupacional é utilizada, especialmente na intervenção através da habilitação em integração sensorial e aplicação de Análise do Comportamento Aplicada (ABA).
        A integração sensorial é um conjunto de técnicas terapêuticas que tem como objetivo ajudar as crianças autistas a processar melhor as informações sensoriais do ambiente em que estão. Essas técnicas ajudam a melhorar a forma como a criança percebe, compreende, organiza e responde aos diferentes estímulos sensoriais, tais como luz, som, toque, cheiro e movimento. A terapia ocupacional com habilitação em integração sensorial é, portanto, importante para o tratamento do autismo, pois ajuda a criança a lidar melhor com o mundo ao seu redor e a melhorar sua capacidade de se comunicar e interagir socialmente.
         Já aplicação da Análise do Comportamento Aplicada (ABA) é uma ciência que é frequentemente utilizada na terapia ocupacional para o tratamento do autismo. Ela é baseada em uma abordagem terapêutica que se concentra na análise do comportamento humano e na modificação do mesmo por meio do reforço positivo. Através da ABA, a terapia ocupacional procura ensinar habilidades sociais, comunicativas, motoras e acadêmicas que ajudam a criança a lidar com o mundo ao seu redor de forma mais eficiente.
       De acordo com o diretor e neuropediatra do Centro Especializado em Transtorno de Espectro Autista (Cetea), Dr. Rodrigo Araújo, profissionais formados em terapia ocupacional atuam com intervenções na área da saúde, com reabilitação de pessoas com alterações cognitivas, interação social e educação.
          “Pode-se dizer que a terapia ocupacional com habilitação em integração sensorial e/ou aplicação da ciência ABA é essencial no tratamento do autismo. Por meio delas, a criança autista pode melhorar sua capacidade de se comunicar e interagir socialmente, além de aprender habilidades importantes para sua vida diária. Com a ajuda da terapia ocupacional, é possível melhorar significativamente a qualidade de vida dessas crianças e sua capacidade de se integrar na sociedade”, explicou o neuropediatra que ainda ressaltou a importância da terapia ocupacional na infância.
        “O objetivo da  terapia ocupacional é ampliar o raio de ação, desempenho, autonomia e participação, utilizando recursos e necessidades de acordo com o momento e lugar, estimulando condições de bem-estar e autonomia, por meio da afetividade, da relação, o terapeuta contribui com os processos de desenvolvimento de vida e saúde”, finalizou.

(Tribuna Hoje. Notícias Saúde. Em: 28/06/2023.)
Dentre os termos grifados a seguir, pode ser identificado como aquele que exerce a função de sujeito da oração, sendo também um elemento anafórico: 
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Q2309539 Português
Médico destaca a importância da terapia ocupacional no tratamento de pessoas com autismo


        A terapia ocupacional é uma área da saúde que se concentra em ajudar as pessoas a alcançar uma boa saúde e bem-estar físico, mental e emocional por meio da envolvência em atividades cotidianas significativas. O tratamento do autismo é uma das principais áreas em que a terapia ocupacional é utilizada, especialmente na intervenção através da habilitação em integração sensorial e aplicação de Análise do Comportamento Aplicada (ABA).
        A integração sensorial é um conjunto de técnicas terapêuticas que tem como objetivo ajudar as crianças autistas a processar melhor as informações sensoriais do ambiente em que estão. Essas técnicas ajudam a melhorar a forma como a criança percebe, compreende, organiza e responde aos diferentes estímulos sensoriais, tais como luz, som, toque, cheiro e movimento. A terapia ocupacional com habilitação em integração sensorial é, portanto, importante para o tratamento do autismo, pois ajuda a criança a lidar melhor com o mundo ao seu redor e a melhorar sua capacidade de se comunicar e interagir socialmente.
         Já aplicação da Análise do Comportamento Aplicada (ABA) é uma ciência que é frequentemente utilizada na terapia ocupacional para o tratamento do autismo. Ela é baseada em uma abordagem terapêutica que se concentra na análise do comportamento humano e na modificação do mesmo por meio do reforço positivo. Através da ABA, a terapia ocupacional procura ensinar habilidades sociais, comunicativas, motoras e acadêmicas que ajudam a criança a lidar com o mundo ao seu redor de forma mais eficiente.
       De acordo com o diretor e neuropediatra do Centro Especializado em Transtorno de Espectro Autista (Cetea), Dr. Rodrigo Araújo, profissionais formados em terapia ocupacional atuam com intervenções na área da saúde, com reabilitação de pessoas com alterações cognitivas, interação social e educação.
          “Pode-se dizer que a terapia ocupacional com habilitação em integração sensorial e/ou aplicação da ciência ABA é essencial no tratamento do autismo. Por meio delas, a criança autista pode melhorar sua capacidade de se comunicar e interagir socialmente, além de aprender habilidades importantes para sua vida diária. Com a ajuda da terapia ocupacional, é possível melhorar significativamente a qualidade de vida dessas crianças e sua capacidade de se integrar na sociedade”, explicou o neuropediatra que ainda ressaltou a importância da terapia ocupacional na infância.
        “O objetivo da  terapia ocupacional é ampliar o raio de ação, desempenho, autonomia e participação, utilizando recursos e necessidades de acordo com o momento e lugar, estimulando condições de bem-estar e autonomia, por meio da afetividade, da relação, o terapeuta contribui com os processos de desenvolvimento de vida e saúde”, finalizou.

(Tribuna Hoje. Notícias Saúde. Em: 28/06/2023.)
Essas técnicas ajudam a melhorar a forma como a criança percebe, compreende, organiza e responde aos diferentes estímulos sensoriais, tais como luz, som, toque, cheiro e movimento.” (2º§) Para que o emprego da crase possa ser observado no trecho destacado anteriormente, é necessário que: 
Alternativas
Q2309535 Português
Médico destaca a importância da terapia ocupacional no tratamento de pessoas com autismo


        A terapia ocupacional é uma área da saúde que se concentra em ajudar as pessoas a alcançar uma boa saúde e bem-estar físico, mental e emocional por meio da envolvência em atividades cotidianas significativas. O tratamento do autismo é uma das principais áreas em que a terapia ocupacional é utilizada, especialmente na intervenção através da habilitação em integração sensorial e aplicação de Análise do Comportamento Aplicada (ABA).
        A integração sensorial é um conjunto de técnicas terapêuticas que tem como objetivo ajudar as crianças autistas a processar melhor as informações sensoriais do ambiente em que estão. Essas técnicas ajudam a melhorar a forma como a criança percebe, compreende, organiza e responde aos diferentes estímulos sensoriais, tais como luz, som, toque, cheiro e movimento. A terapia ocupacional com habilitação em integração sensorial é, portanto, importante para o tratamento do autismo, pois ajuda a criança a lidar melhor com o mundo ao seu redor e a melhorar sua capacidade de se comunicar e interagir socialmente.
         Já aplicação da Análise do Comportamento Aplicada (ABA) é uma ciência que é frequentemente utilizada na terapia ocupacional para o tratamento do autismo. Ela é baseada em uma abordagem terapêutica que se concentra na análise do comportamento humano e na modificação do mesmo por meio do reforço positivo. Através da ABA, a terapia ocupacional procura ensinar habilidades sociais, comunicativas, motoras e acadêmicas que ajudam a criança a lidar com o mundo ao seu redor de forma mais eficiente.
       De acordo com o diretor e neuropediatra do Centro Especializado em Transtorno de Espectro Autista (Cetea), Dr. Rodrigo Araújo, profissionais formados em terapia ocupacional atuam com intervenções na área da saúde, com reabilitação de pessoas com alterações cognitivas, interação social e educação.
          “Pode-se dizer que a terapia ocupacional com habilitação em integração sensorial e/ou aplicação da ciência ABA é essencial no tratamento do autismo. Por meio delas, a criança autista pode melhorar sua capacidade de se comunicar e interagir socialmente, além de aprender habilidades importantes para sua vida diária. Com a ajuda da terapia ocupacional, é possível melhorar significativamente a qualidade de vida dessas crianças e sua capacidade de se integrar na sociedade”, explicou o neuropediatra que ainda ressaltou a importância da terapia ocupacional na infância.
        “O objetivo da  terapia ocupacional é ampliar o raio de ação, desempenho, autonomia e participação, utilizando recursos e necessidades de acordo com o momento e lugar, estimulando condições de bem-estar e autonomia, por meio da afetividade, da relação, o terapeuta contribui com os processos de desenvolvimento de vida e saúde”, finalizou.

(Tribuna Hoje. Notícias Saúde. Em: 28/06/2023.)
Considerando o contexto, pode-se afirmar que o termo utilizado para introduzir o 3º§ do texto indica o seguinte efeito quanto ao sentido produzido, de acordo com o contexto:
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Q2309481 Português
Felicidade clandestina


          Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
          Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”.
          Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
         Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
           Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
        Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria: eu não vivia, nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
           No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
           Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com meu coração batendo.
             E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
              Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
           Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
           E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser”. Entendem? Valia mais do que me dar o livro: “pelo tempo que eu quisesse” é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
                Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
                Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
              Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.


(LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina: contos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.)
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe.” (11º§) Considerando o papel de elemento de coesão desempenhado pelas conjunções, possui o mesmo valor semântico de “quando” expresso no período destacado, a conjunção grifada a seguir:
Alternativas
Respostas
16: A
17: D
18: D
19: D
20: C