Questões da Prova COPEVE-UFAL - 2012 - MPE-AL - Técnico do Ministério Público
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INCÊNDIO
Vi a menina procurar pela mãe, na multidão em frente ao edifício que pegara fogo, e ninguém dizer-lhe onde estava ela. E a menina sabia que a mãe morrera; sabia de vaga notícia, de obscura ciência, como essas coisas se sabem sem necessidade de testemunho. Ela passeava entre populares e fotógrafos o seu rostinho contraído, sua vozinha de choro, sua escassez de palavras. E quando apareceu um bombeiro para dizer-lhe que a pessoa morta não devia ser sua mãe, todos os sinais tranquilizadores que ele dava eram precisamente sinais confirmativos da perda. E a menina era apenas uma dor humilde, entre outras que latejavam naquele momento em meio à confusão das providências para apagar as chamas e salvar as vidas.
Vi a moça dependurar-se à corda, lá no alto, sua saia abrir-se como uma flor redonda, parece mulher ensaiando voo, os cabelos são louros, a moça vem devagar e difícil, os braços tensos afrouxam, ela tomba no vazio. De repente não é mais nada senão uma forma chata sobre a marquise. Raro é ver a morte operar assim à plena luz, sem disfarce nem preparativo de anos e anos. A morte dando demonstração. E a morte estava solta no vão entre dois edifícios, um que se queimava, outro que assumia o papel de porto de salvação. A vida por uma corda, fora do circo, no coração do cotidiano. Uma corda que não chega a rebentar, não é preciso, as mãos da moça é que cederam.
Vi... Não vi nada disso no local, mas em casa, em preto e branco, repetido pelo televisor que captou a morte, a dor da menina, o material da tragédia no momento em que ela se fazia. A documentação hoje em dia não acompanha a vida de perto: confunde-se com a vida, e, o que é terrível, nos obriga a todos a ser espectadores de dramas que não podemos remediar, mas cujos horrores temos de contemplar de cara. A menos que desliguemos o aparelho, como o avestruz se recolhe às penas, assistimos de palanque ao incêndio, à inundação, ao terremoto.
Desses homens e mulheres sacrificados no último incêndio pode dizer-se que morreram antes da hora, não de sua própria morte, mas de outra improvisada e injusta. Arde uma casa e as chamas não matam ninguém. O que mata é a fuga ao incêndio, é a impossibilidade de fugir a ele, nesses edifícios onde tudo foi previsto menos o resguardo da vida de seus moradores. É o despreparo, a omissão, o que-nem-me-importa com o que possa acontecer, porque na maioria dos casos não acontece nada, os incêndios não são diários e metódicos. Vivemos sob o signo da ameaça, e com ele nos habituamos de tal modo que nem o sentimos. Todos esses edifícios, amontoados, colados, como um rebanho denso, toda essa gente dormindo ou trabalhando em seus milhares de escaninhos no ar, sem garantia a não ser o acaso, previsão, sem consciência do perigo, até que um dia a moça loura se agarra desesperadamente a uma corda e depois arria como um balão tascado... É de arrepiar.
(ANDRADE, Carlos Drummond. Auto-retrato e outras crônicas. RJ:Record, 1989)
INCÊNDIO
Vi a menina procurar pela mãe, na multidão em frente ao edifício que pegara fogo, e ninguém dizer-lhe onde estava ela. E a menina sabia que a mãe morrera; sabia de vaga notícia, de obscura ciência, como essas coisas se sabem sem necessidade de testemunho. Ela passeava entre populares e fotógrafos o seu rostinho contraído, sua vozinha de choro, sua escassez de palavras. E quando apareceu um bombeiro para dizer-lhe que a pessoa morta não devia ser sua mãe, todos os sinais tranquilizadores que ele dava eram precisamente sinais confirmativos da perda. E a menina era apenas uma dor humilde, entre outras que latejavam naquele momento em meio à confusão das providências para apagar as chamas e salvar as vidas.
Vi a moça dependurar-se à corda, lá no alto, sua saia abrir-se como uma flor redonda, parece mulher ensaiando voo, os cabelos são louros, a moça vem devagar e difícil, os braços tensos afrouxam, ela tomba no vazio. De repente não é mais nada senão uma forma chata sobre a marquise. Raro é ver a morte operar assim à plena luz, sem disfarce nem preparativo de anos e anos. A morte dando demonstração. E a morte estava solta no vão entre dois edifícios, um que se queimava, outro que assumia o papel de porto de salvação. A vida por uma corda, fora do circo, no coração do cotidiano. Uma corda que não chega a rebentar, não é preciso, as mãos da moça é que cederam.
Vi... Não vi nada disso no local, mas em casa, em preto e branco, repetido pelo televisor que captou a morte, a dor da menina, o material da tragédia no momento em que ela se fazia. A documentação hoje em dia não acompanha a vida de perto: confunde-se com a vida, e, o que é terrível, nos obriga a todos a ser espectadores de dramas que não podemos remediar, mas cujos horrores temos de contemplar de cara. A menos que desliguemos o aparelho, como o avestruz se recolhe às penas, assistimos de palanque ao incêndio, à inundação, ao terremoto.
Desses homens e mulheres sacrificados no último incêndio pode dizer-se que morreram antes da hora, não de sua própria morte, mas de outra improvisada e injusta. Arde uma casa e as chamas não matam ninguém. O que mata é a fuga ao incêndio, é a impossibilidade de fugir a ele, nesses edifícios onde tudo foi previsto menos o resguardo da vida de seus moradores. É o despreparo, a omissão, o que-nem-me-importa com o que possa acontecer, porque na maioria dos casos não acontece nada, os incêndios não são diários e metódicos. Vivemos sob o signo da ameaça, e com ele nos habituamos de tal modo que nem o sentimos. Todos esses edifícios, amontoados, colados, como um rebanho denso, toda essa gente dormindo ou trabalhando em seus milhares de escaninhos no ar, sem garantia a não ser o acaso, previsão, sem consciência do perigo, até que um dia a moça loura se agarra desesperadamente a uma corda e depois arria como um balão tascado... É de arrepiar.
(ANDRADE, Carlos Drummond. Auto-retrato e outras crônicas. RJ:Record, 1989)
INCÊNDIO
Vi a menina procurar pela mãe, na multidão em frente ao edifício que pegara fogo, e ninguém dizer-lhe onde estava ela. E a menina sabia que a mãe morrera; sabia de vaga notícia, de obscura ciência, como essas coisas se sabem sem necessidade de testemunho. Ela passeava entre populares e fotógrafos o seu rostinho contraído, sua vozinha de choro, sua escassez de palavras. E quando apareceu um bombeiro para dizer-lhe que a pessoa morta não devia ser sua mãe, todos os sinais tranquilizadores que ele dava eram precisamente sinais confirmativos da perda. E a menina era apenas uma dor humilde, entre outras que latejavam naquele momento em meio à confusão das providências para apagar as chamas e salvar as vidas.
Vi a moça dependurar-se à corda, lá no alto, sua saia abrir-se como uma flor redonda, parece mulher ensaiando voo, os cabelos são louros, a moça vem devagar e difícil, os braços tensos afrouxam, ela tomba no vazio. De repente não é mais nada senão uma forma chata sobre a marquise. Raro é ver a morte operar assim à plena luz, sem disfarce nem preparativo de anos e anos. A morte dando demonstração. E a morte estava solta no vão entre dois edifícios, um que se queimava, outro que assumia o papel de porto de salvação. A vida por uma corda, fora do circo, no coração do cotidiano. Uma corda que não chega a rebentar, não é preciso, as mãos da moça é que cederam.
Vi... Não vi nada disso no local, mas em casa, em preto e branco, repetido pelo televisor que captou a morte, a dor da menina, o material da tragédia no momento em que ela se fazia. A documentação hoje em dia não acompanha a vida de perto: confunde-se com a vida, e, o que é terrível, nos obriga a todos a ser espectadores de dramas que não podemos remediar, mas cujos horrores temos de contemplar de cara. A menos que desliguemos o aparelho, como o avestruz se recolhe às penas, assistimos de palanque ao incêndio, à inundação, ao terremoto.
Desses homens e mulheres sacrificados no último incêndio pode dizer-se que morreram antes da hora, não de sua própria morte, mas de outra improvisada e injusta. Arde uma casa e as chamas não matam ninguém. O que mata é a fuga ao incêndio, é a impossibilidade de fugir a ele, nesses edifícios onde tudo foi previsto menos o resguardo da vida de seus moradores. É o despreparo, a omissão, o que-nem-me-importa com o que possa acontecer, porque na maioria dos casos não acontece nada, os incêndios não são diários e metódicos. Vivemos sob o signo da ameaça, e com ele nos habituamos de tal modo que nem o sentimos. Todos esses edifícios, amontoados, colados, como um rebanho denso, toda essa gente dormindo ou trabalhando em seus milhares de escaninhos no ar, sem garantia a não ser o acaso, previsão, sem consciência do perigo, até que um dia a moça loura se agarra desesperadamente a uma corda e depois arria como um balão tascado... É de arrepiar.
(ANDRADE, Carlos Drummond. Auto-retrato e outras crônicas. RJ:Record, 1989)
Dadas as afirmações seguintes sobre o texto,
I. No primeiro parágrafo, os sinais tranquilizadores dados pelo bombeiro reconfortaram a menina, convencendo-a de que sua mãe não estaria morta.
II. O uso repetido da conjunção “e” no início das orações do primeiro parágrafo pode ser considerado um recurso expressivo que reforça a situação desoladora da criança.
III. No terceiro parágrafo, é possível inferir que, para o narrador da crônica, é preferível assistir a um acontecimento pela televisão a vê-lo ao vivo no local em que ele ocorre.
IV. Por meio da frase “as mãos da moça é que cederam”, explicitada no final do segundo parágrafo, pode-se compreender que a morte da moça se deu, não pela fragilidade da corda, mas por ela ter afrouxado suas mãos, soltando-as da referida corda.
verifica-se que são verdadeiras
Com base na compreensão global do texto e de elementos da composição textual, responda a questão.
As raízes do caráter nacional
Parece possível distinguir duas tendências fundamentais na reação ao grupo estranho: uma de admiração e aceitação, outra de desprezo e recusa.
Aparentemente, quase todos os seres humanos apresentam essas duas tendências fundamentais. A participação em nosso grupo provoca sentimentos de segurança e bem estar, pois supomos entender que os que falam a nossa língua têm um passado em comum conosco, e também sabem o que esperar de nós. Mesmo quando nos desentendemos, sabemos por que isso ocorre, podemos esperar que nosso interlocutor acabe por nos entender e aceitar. E nisso talvez a linguagem desempenhe um papel fundamental, pois os homens geralmente são incapazes de utilizar perfeitamente mais de uma língua, e só naquela aprendida na infância somos capazes de exprimir todas as sutilezas do pensamento, todas as formas de ódio e amor. Além disso, o local em que nascemos e crescemos, a paisagem que conhecemos, tudo isso parece constituir um universo próximo e amigo, cujo reencontro é sempre uma alegria e uma consolação.
No outro extremo, o estrangeiro provoca a nossa desconfiança, às vezes o nosso medo. Nem sempre entendemos os seus gestos e certamente não compreendemos a sua língua. Ele não se veste como nós, a sua fisionomia pode ser diferente da nossa e não adora nossos deuses. Entre os primitivos, o estrangeiro passava por uma complexa cerimônia, destinada a afastar os malefícios que trouxesse de seus demônios; ao voltar de uma viagem, as pessoas deveriam permanecer isoladas por algum tempo, até que delas se afastassem os demônios estranhos, acaso encontrados pelo caminho.
E, no entanto, sentimos que o contrário também é verdade. Frequentemente sonhamos com um país distante, a terra prometida onde possamos realizar nossos desejos. Sentimos que aqueles que mais nos conhecem são também capazes de ignorar o que de melhor trazemos conosco. E o provérbio: “ninguém é profeta em sua terra” traduz precisamente essa ideia de que não podemos compreender integralmente quem está muito próximo de nós. As situações novas, além disso, são atraentes e provocantes: o novo ou desconhecido parece, pelo menos durante algum tempo, mais belo e atraente do que o velho; os nossos olhos parecem mais penetrantes ao observar a nova paisagem, ao admirar outras figuras humanas.
(LEITE, D. M. In.: O caráter nacional brasileiro. 3. ed. São Paulo: Pioneira, 1976. p. 11.)