Texto I
Você está preparado para trabalhar no século XXI?
As projeções são de um mercado de trabalho cada vez mais desigual
Dora Kaufman
Estudos de consultorias e instituições internacionais sobre o mercado de trabalho divergem quanto
aos números, porque têm base em metodologias distintas, contudo convergem sobre uma tendência:
eliminação crescente de funções, ameaça aos empregos.
No Brasil, temos dois estudos: um da Universidade de Brasília, que indica que 54% das funções no
Brasil têm probabilidade de serem eliminadas até 2026; e outro do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), órgão ligado ao Ministério do Planejamento, que indica que mais de 50% das funções
serão eliminadas até 2050, ou seja, 35 milhões de trabalhadores formais correm risco de perder seus
empregos para a automação. Por outro lado, com 13% de taxa de desemprego, as empresas enfrentam
dificuldade de preencher vagas em aberto por falta de candidatos qualificados.
As projeções são de um mercado de trabalho cada vez mais desigual, com as funções de
alto desempenho extremamente lucrativas, e as demais com perdas salariais ou eliminadas pela
automação. [...]
A Uber ilustra bem o que está por vir. O número de motoristas cadastrados cresceu em 50% entre
2016-2018 (50 milhões para 100 milhões). No Brasil, são cerca de 600 mil motoristas; o pleno sucesso
de seu projeto de carro autônomo, em teste em várias cidades, gerará um lucro extraordinário aos seus
acionistas e uma perda total para os seus motoristas. A automação inteligente vai invadir o varejo, as
transportadoras, os bancos e uma infinidade de funções em quase todos os setores, atingindo fortemente
a classe média.
Ao contrário de processos associados a tecnologias disruptivas anteriores, os novos modelos de
negócio não são intensivos em mão de obra. Na automação das fábricas no século XX, por exemplo, os
trabalhadores dispensados tinham como alternativa o setor de serviços, em plena expansão. A Economia
de Dados não oferece muitas alternativas. A montadora GM demorou 70 anos para gerar um lucro de U$
11 bilhões com 840 mil funcionários, e o Google precisou de meros 14 anos para lucrar U$ 14 bilhões
com 38 mil funcionários. O exemplo talvez mais emblemático: em 2012, a Kodak abriu falência com 19
mil funcionários, após chegar a ter 145 mil funcionários; no mesmo ano, o Instagram foi comprado pelo
Facebook por US$ 1 bilhão e tinha apenas 13 funcionários.
Na competição entre o trabalhador humano e o “trabalhador máquina”, os humanos estão em
desvantagem: a) a manutenção dos robôs é mais barata, as máquinas trabalham quase que em modo
contínuo (sem descanso, sem férias, sem doenças), com um custo médio menor por hora trabalhada
(US$ 49 para os profissionais na Alemanha e US$ 36 nos EUA, contra US$ 4 do “robô”); b) as
máquinas inteligentes se aperfeiçoam automaticamente e continuamente e o custo de reproduzi-las é
significativamente menor do que o custo de treinar profissionais humanos para as mesmas funções.
As transformações no mercado de trabalho não advêm exclusivamente da automação inteligente,
mas igualmente de novas configurações como home office e/ou contratação por projeto. Outro fator é
a categoria chamada “gig economy”; plataformas e aplicativos on-line, freelancers; os aplicativos Uber,
iFood, Rappi e 99 são hoje o maior empregador do país, com cerca de 3,8 milhões de trabalhadores,
representando 17% dos 23,8 milhões de trabalhadores autônomos, segundo o IBGE. A tendência é a
de que as empresas reduzam o número de empregados fixos, regidos pelas leis trabalhistas como CLT,
com redução de custos e ganhos de eficiência, inclusive na qualidade do serviço prestado.
As profissões-chave, no mercado de trabalho, dos próximos anos, segundo consultorias
especializadas, são: analista de dados, cientista de dados, desenvolvedor de software e aplicativos,
especialista em comércio eletrônico, especialista em mídias sociais, profissional de IA (especialista em
inteligência artificial) com ênfase em aprendizado de máquina, especialista em Big Data, analista de
segurança da informação e engenheiro de robótica. Em paralelo, existe um grande potencial em funções
centradas em habilidades humanas, como atendimento ao cliente, vendas e marketing, treinamento e
desenvolvimento de pessoas e cultura, gestão da inovação, e desenvolvimento organizacional. Até
2020, mais de um terço das habilidades essenciais para a maioria das ocupações será composto por
habilidades que ainda não são cruciais para o trabalho atual.
Para não perder a relevância econômica e social no século XXI, o desafio é identificar quais as
habilidades necessárias para que o “robô” não roube seu emprego, e se capacitar. Lição de casa: liste
todas as funções/tarefas desempenhadas no seu trabalho; agrupe, em colunas, as mais suscetíveis
à automação e as que requerem habilidades ainda exclusivamente humanas e prepare-se para
desempenhar melhor estas últimas.
KAUFMAN, Dora. Você está preparado para trabalhar no século XXI?. In: Desmistificando a inteligência artificial. Belo Horizonte: Autêntica, 2022, p. 49-51 – (Adaptado).
Glossário:
big data: uso de grandes e diversificados conjuntos de dados em análises preditivas para entender
padrões, tendências e comportamentos. O big data estabelece correlações entre os dados (não
causalidades).
KAUFMAN, Dora. Você está preparado para trabalhar no século XXI?. In: Desmistificando a inteligência artificial. Belo
Horizonte: Autêntica, 2022, p. 307.
gig economy: A Gig Economy é uma tendência em expansão. Trata-se de uma economia alternativa da
era digital que favorece prestação de trabalhos temporários ou de curto prazo para diversas empresas.
Assim, a Gig Economy abrange os trabalhadores que deixaram o ambiente estável dos escritórios para
conduzir sua própria carreira.
Disponível em: https://www.educamaisbrasil.com.br/educacao/carreira. Acesso em: 20 ago. 2023.