TEXTO 7
“[…] não notaram, por acaso qual é a verdadeira questão? É tudo uma alegoria... uma metáfora
ampliada! Os senhores me compreendem! Sapienti sat!”.
Mas muitos dos veneráveis senhores não ficaram tranquilos; a história do autômato criara raízes em
suas almas e acabou por instilar uma execrável desconfiança em relação a figuras humanas. Muitos
enamorados, para se convencer de que a amada não era uma boneca de pau, exigiam que ela cantasse
e dançasse fora do compasso, que quando eles lessem em voz alta ela tricotasse, bordasse, brincasse
com o cãozinho etc., e sobretudo que ela não só ouvisse, mas também às vezes falasse de tal modo
que se subentendesse que por trás das palavras há pensamento e sensibilidade. O relacionamento
amoroso de muitos, ficou mais forte e também mais harmonioso; outros, no entanto, se separaram
discretamente. “De fato não vale a pena”, diziam alguns. Nos chás, bocejava-se muito mais e jamais se
espirrava para não levantar suspeita. Spalanzani teve como se sabe, de fugir da investigação criminal
devido ao autômato que introduziu na sociedade, trapaceiramente. Coppola também desapareceu.
Adaptado de HOFFMAN, E. T. A. O homem da areia. Trad. José Feres Sabino; Marcella Marino M. Silva. Posfácio Márcio
Suzuki; ilustr. Eduardo Berliner. São Paulo: Ubu Editora, 2023, p. 89.