Questões de Concurso Público FEPAM - RS 2023 para Agente Técnico - Técnico em Administração

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Q2122479 Português
O gigolô das palavras


        Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha estiveram lá em casa numa mesma missão, designada por seu professor de Português: saber se eu considerava o estudo da gramática indispensável para aprender e usar a nossa ou qualquer outra língua. Cada grupo portava seu gravador cassete, certamente o instrumento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando opiniões. Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava diariamente com suas afrontas às leis da língua, e aproveitava aquela oportunidade para me desmascarar. Já estava até preparando, às pressas, minha defesa (“Culpa da revisão! Culpa da revisão!”). Mas os alunos desfizeram o equívoco antes que ele se criasse. Eles mesmos tinham escolhido os nomes a serem entrevistados. Vocês têm certeza que não pegaram o Veríssimo errado? Não. Então vamos em frente.
       Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras básicas da gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer “escrever claro” não é certo mas é claro, certo? O importante é comunicar. (E quando possível surpreender, iluminar, divertir, mover... Mas aí entramos na área do talento, que também não tem nada a ver com gramática.) A gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos e professores de latim, gente em geral pouco comunicativa. Aquela sombria gravidade que a gente nota nas fotografias em grupo dos membros da Academia Brasileira de Letras é de reprovação pelo Português ainda estar vivo. Eles só estão esperando, fardados, que o Português morra para poderem carregar o caixão e escrever sua autópsia definitiva. É o esqueleto que nos traz de pé, certo, mas ele não informa nada, como a gramática é a estrutura da língua, mas sozinha não diz nada, não tem futuro. As múmias conversam entre si em gramática pura.
       Claro que eu não disse tudo isso para meus entrevistadores. E adverti que minha implicância com a Gramática na certa se devia à minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português. Mas —isto eu disse —vejam vocês, a intimidade com a Gramática é tão dispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo à custa delas. E tenho com elas a exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas. Só uso as que eu conheço, as desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo submissão. Não raro, peço delas flexões inomináveis para satisfazer um gosto passageiro. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Se bem que não tenha também o mínimo escrúpulo de roubá-las de outro, quando acho que vou ganhar com isto. As palavras, afinal, vivem na boca do povo. São faladíssimas. Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.
       Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria sua patroa! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda.

(VERÍSSIMO, Luís Fernando. O gigolô das palavras. 8. ed. Porto Alegre:
L&PM, 1982. Fragmento.)
No trecho “A gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos e professores de latim, [...]” (2º§), o termo se refere
Alternativas
Q2122485 Português

Palavras inventadas


        Se fosse no tempo do professor Castro Lopes e se dependesse de sua vontade, lobismo e lobista jamais teriam licença de entrar na nossa língua. E muito menos no dicionário. Castro Lopes combatia sem trégua os partidários dos barbarismos. Em particular os galiciparlas recorriam ao francês, língua da moda. Caricaturado na peça O carioca, em 1886, o professor morreu em 1901.

        História antiga, do tempo em que Adão jogava pião. Mas Castro Lopes testemunhou a chegada do automóvel ao Brasil. Com a novidade, veio a palavra chauffeur. O professor trepou nas tamancas e parou o trânsito, o que na época era fácil. Abaixo o galicismo! Patriota que nem um Policarpo Quaresma avant lalettre, atirou-se à luta.

          Hoje, chauffeur virou chofer. Todo mundo já esqueceu que vem de chauffer, esquentar. E também se diz motorista, brasileirismo que se deve a Medeiros e Albuquerque. Mas o professor Castro Lopes deu tratos à bola e criou a palavra cinesíforo, a partir do grego. Não pegou, mas ficou no ar, envolto na aura de pilhéria que até hoje cerca o nome do seu criador. Melhor sorte teve com outros neologismos também saídos da caturrice de seu bestunto. Menu por exemplo, virou cardápio.

        Em Portugal e em parte aqui também, se diz lista. Mas cardápio fez carreira. Já convescote, para substituir pic-nic, depois aportuguesado em piquenique, é um preciosismo que traz uma nota galhofeira. Cyro dos Anjos o emprega no Abdias com intenção humorística. Mas o fato é que o professor Castro Lopes entrou no dicionário e no dia a dia da conversa. É o obscuro herói do vitorioso cardápio. Hoje, se se metesse a combater os angliciparlas, acabaria louco.

          Outro inventor de palavras foi o professor Ramiz Galvão. Quando foi construído o edifício do Cais da Lapa, o governo entendeu que devia lhe dar um nome nobre. Sede de instituições culturais, até da Academia, Cais da Lapa soava mal. O governo apelou para o professor. Ele veio com uma lista de palavras rebarbativas. Vejam só: polilógio; logotério; sinergatério; polimátio; panetário; logossinédrio; e, quejandos. Todos com adequado sentido etimológico a partir do grego. Afinal, o nome que pegou foi Silogeu. Uma gracinha, não? Ali onde é hoje o Instituto Histórico, o prédio foi há alguns anos demolido. Mas a palavra sobrevive.


(RESENDE, Otto Lara. Palavras inventadas. Disponível em: https://

cronicabrasileira.org.br/cronicas/6778/palavras-inventadas. Acesso

em: 05/03/2023. Adaptado.)

Assinale a alternativa que apresenta a afirmação mais coerente com a temática do texto.
Alternativas
Respostas
1: C
2: E