Questões de Concurso Público Prefeitura de Carnaúba dos Dantas - RN 2024 para Professor de Letras - Língua Portuguesa
Foram encontradas 26 questões
Ano: 2024
Banca:
FUNCERN
Órgão:
Prefeitura de Carnaúba dos Dantas - RN
Prova:
FUNCERN - 2024 - Prefeitura de Carnaúba dos Dantas - RN - Professor de Letras - Língua Portuguesa |
Q2373505
Português
Texto associado
TEXTO 1
Mais uma distorção: comunicar é o que importa
Marcos Bagno
Existe na nossa cultura escolar, no que diz respeito ao ensino de língua, uma ideia muito entranhada
e que precisa ser veementemente exposta e combatida. É a noção de que “o que importa é comunicar”, de
que “se a mensagem foi transmitida, tudo bem”, e coisas assim. É fundamental deixar bem claro aqui que
não, não e não — essa é uma visão muito pobre e mesquinha do que é a língua e dos mecanismos sociais
que a envolvem. Repetir essa ideia é algo extremamente prejudicial para uma boa educação linguística.
Essa ideia é uma deturpação violenta de teorias linguísticas sofisticadas que, lidas pela metade ou
só na superfície (quando são lidas), se transformam em conceitos tomados como “verdades científicas” pelos
que não se empenham em estudar mais a fundo. E, para piorar, serve de acusação contra os linguistas por
parte de pessoas que pretendem, com isso, desqualificar o trabalho dos pesquisadores e tentar preservar a
ferro e fogo uma concepção de “língua culta” obtusa, obscura e irreal.
Essas pessoas alegam que, para os linguistas, “vale tudo”, que “o importante é comunicar”, que “não
é preciso corrigir os alunos”, entre outras acusações injustas que não correspondem a nada que linguistas
sérios já escreveram ou disseram em público. Para se opor, então, ao que os linguistas jamais disseram, os
defensores de uma concepção de língua (e de sociedade) arcaica e pré-científica apregoam o “ensino da
gramática” e a inculcação de uma escorregadia “norma culta”.
A língua é muito mais do que um simples instrumento de comunicação. Ela é palco de conflitos sociais,
de disputas políticas, de propaganda ideológica, de manipulação de consciências, entre muitas outras coisas.
A manipulação social da língua nos leva a votar nessa ou naquela pessoa, a comprar tal ou qual produto, a
admitir que determinado evento ocorreu de determinada maneira e não de outra, a aderir a uma ideia, a
acreditar nessa ou naquela religião, e por aí vai, e vai longe...
No mercado financeiro, por exemplo, tudo se faz por meio das palavras. Os títulos negociados na
Bolsa de Valores não têm existência concreta, são mera abstração, dependem exclusivamente do que se diz
ou do que se deixa de dizer: basta lançar um boato sobre uma empresa dizendo que ela está para falir, e o
valor das ações despenca. O que alguns chamam de “invasão” (de terras, por exemplo) outros chamam de
“ocupação” (de áreas improdutivas). Onde alguns falam de “terrorismo” outros preferem falar de “revolução”.
Para os fiéis de uma determinada religião, certos atos são “pecados”, enquanto para os de outra são
perfeitamente justificados e bem-vindos. O que o governo americano chamou de “Guerra do Iraque” muitos
analistas classificam simplesmente de “invasão”, já que os iraquianos não fizeram nada contra os Estados
Unidos.
A língua é a nossa faculdade mais poderosa, é o nosso principal modo de apreensão da realidade e
de intervenção nessa mesma realidade. Vivemos mergulhados na linguagem, não conseguimos nos imaginar
fora dela — estamos mais imersos na língua do que os peixes na água.
Além disso, a língua é um fator importantíssimo na construção da identidade de cada indivíduo e de
cada coletividade. Ela tem um valor simbólico inegável, é moeda de troca, é arame farpado capaz de incluir
alguns e excluir muitos outros. É pretexto para exploração, espoliação, discriminação e até mesmo massacres
e genocídios, como já vem expresso num conhecido episódio bíblico.
Numa guerra entre duas tribos de Israel, os galaaditas e os efraimitas, os primeiros se apoderaram
dos vaus do Jordão, trechos rasos que podiam ser atravessados a pé. Quando alguém atravessava o rio, os
galaaditas mandavam que pronunciasse a palavra shibboleth (“espiga”): na variedade linguística dos
efraimitas, a palavra era pronunciada sibboleth, sem o “chiado” inicial. Quando ouviam essa pronúncia, os
galaaditas “então os matavam nos vaus do Jordão. Caíram naquele tempo quarenta e dois mil homens de
Efraim” (Juízes 12,4-6). Por isso o termo shibboleth é usado para designar qualquer elemento social
empregado para discriminar ou mesmo exterminar uma pessoa ou grupo de pessoas.
Portanto, não se pode admitir essa falácia de que “o importante é comunicar”. Abrir a boca para falar
é se expor, inevitavelmente, aos julgamentos sociais, positivos e negativos, que configuram nossa cultura.
Falar é comunicar, sim, mas não “transmitir uma mensagem” como ingenuamente se pensa: é comunicar
quem somos, de onde viemos, a que comunidade pertencemos, o quanto estamos (ou não) inseridos nos
modos de ver, pensar e agir do nosso interlocutor.
Assim, numa sociedade como a brasileira, tradicionalmente excludente e discriminadora, é
fundamental que a escola possibilite a seus aprendizes o acesso ao espectro mais amplo possível de modos
de expressão, a começar pelo domínio da escrita e da leitura, direito inalienável de qualquer pessoa que viva
num país republicano e democrático. A leitura e a escrita, o letramento, enfim, abre as portas de incontáveis
mundos discursivos, aos quais os aprendizes só vão ter acesso por meio da escolarização institucionalizada.
(BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2011)
Sobre o uso das aspas, ao longo do texto, é correto afirmar:
Ano: 2024
Banca:
FUNCERN
Órgão:
Prefeitura de Carnaúba dos Dantas - RN
Prova:
FUNCERN - 2024 - Prefeitura de Carnaúba dos Dantas - RN - Professor de Letras - Língua Portuguesa |
Q2373506
Português
Texto associado
TEXTO 1
Mais uma distorção: comunicar é o que importa
Marcos Bagno
Existe na nossa cultura escolar, no que diz respeito ao ensino de língua, uma ideia muito entranhada
e que precisa ser veementemente exposta e combatida. É a noção de que “o que importa é comunicar”, de
que “se a mensagem foi transmitida, tudo bem”, e coisas assim. É fundamental deixar bem claro aqui que
não, não e não — essa é uma visão muito pobre e mesquinha do que é a língua e dos mecanismos sociais
que a envolvem. Repetir essa ideia é algo extremamente prejudicial para uma boa educação linguística.
Essa ideia é uma deturpação violenta de teorias linguísticas sofisticadas que, lidas pela metade ou
só na superfície (quando são lidas), se transformam em conceitos tomados como “verdades científicas” pelos
que não se empenham em estudar mais a fundo. E, para piorar, serve de acusação contra os linguistas por
parte de pessoas que pretendem, com isso, desqualificar o trabalho dos pesquisadores e tentar preservar a
ferro e fogo uma concepção de “língua culta” obtusa, obscura e irreal.
Essas pessoas alegam que, para os linguistas, “vale tudo”, que “o importante é comunicar”, que “não
é preciso corrigir os alunos”, entre outras acusações injustas que não correspondem a nada que linguistas
sérios já escreveram ou disseram em público. Para se opor, então, ao que os linguistas jamais disseram, os
defensores de uma concepção de língua (e de sociedade) arcaica e pré-científica apregoam o “ensino da
gramática” e a inculcação de uma escorregadia “norma culta”.
A língua é muito mais do que um simples instrumento de comunicação. Ela é palco de conflitos sociais,
de disputas políticas, de propaganda ideológica, de manipulação de consciências, entre muitas outras coisas.
A manipulação social da língua nos leva a votar nessa ou naquela pessoa, a comprar tal ou qual produto, a
admitir que determinado evento ocorreu de determinada maneira e não de outra, a aderir a uma ideia, a
acreditar nessa ou naquela religião, e por aí vai, e vai longe...
No mercado financeiro, por exemplo, tudo se faz por meio das palavras. Os títulos negociados na
Bolsa de Valores não têm existência concreta, são mera abstração, dependem exclusivamente do que se diz
ou do que se deixa de dizer: basta lançar um boato sobre uma empresa dizendo que ela está para falir, e o
valor das ações despenca. O que alguns chamam de “invasão” (de terras, por exemplo) outros chamam de
“ocupação” (de áreas improdutivas). Onde alguns falam de “terrorismo” outros preferem falar de “revolução”.
Para os fiéis de uma determinada religião, certos atos são “pecados”, enquanto para os de outra são
perfeitamente justificados e bem-vindos. O que o governo americano chamou de “Guerra do Iraque” muitos
analistas classificam simplesmente de “invasão”, já que os iraquianos não fizeram nada contra os Estados
Unidos.
A língua é a nossa faculdade mais poderosa, é o nosso principal modo de apreensão da realidade e
de intervenção nessa mesma realidade. Vivemos mergulhados na linguagem, não conseguimos nos imaginar
fora dela — estamos mais imersos na língua do que os peixes na água.
Além disso, a língua é um fator importantíssimo na construção da identidade de cada indivíduo e de
cada coletividade. Ela tem um valor simbólico inegável, é moeda de troca, é arame farpado capaz de incluir
alguns e excluir muitos outros. É pretexto para exploração, espoliação, discriminação e até mesmo massacres
e genocídios, como já vem expresso num conhecido episódio bíblico.
Numa guerra entre duas tribos de Israel, os galaaditas e os efraimitas, os primeiros se apoderaram
dos vaus do Jordão, trechos rasos que podiam ser atravessados a pé. Quando alguém atravessava o rio, os
galaaditas mandavam que pronunciasse a palavra shibboleth (“espiga”): na variedade linguística dos
efraimitas, a palavra era pronunciada sibboleth, sem o “chiado” inicial. Quando ouviam essa pronúncia, os
galaaditas “então os matavam nos vaus do Jordão. Caíram naquele tempo quarenta e dois mil homens de
Efraim” (Juízes 12,4-6). Por isso o termo shibboleth é usado para designar qualquer elemento social
empregado para discriminar ou mesmo exterminar uma pessoa ou grupo de pessoas.
Portanto, não se pode admitir essa falácia de que “o importante é comunicar”. Abrir a boca para falar
é se expor, inevitavelmente, aos julgamentos sociais, positivos e negativos, que configuram nossa cultura.
Falar é comunicar, sim, mas não “transmitir uma mensagem” como ingenuamente se pensa: é comunicar
quem somos, de onde viemos, a que comunidade pertencemos, o quanto estamos (ou não) inseridos nos
modos de ver, pensar e agir do nosso interlocutor.
Assim, numa sociedade como a brasileira, tradicionalmente excludente e discriminadora, é
fundamental que a escola possibilite a seus aprendizes o acesso ao espectro mais amplo possível de modos
de expressão, a começar pelo domínio da escrita e da leitura, direito inalienável de qualquer pessoa que viva
num país republicano e democrático. A leitura e a escrita, o letramento, enfim, abre as portas de incontáveis
mundos discursivos, aos quais os aprendizes só vão ter acesso por meio da escolarização institucionalizada.
(BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2011)
A crítica presente no texto é direcionada à concepção de linguagem como
Ano: 2024
Banca:
FUNCERN
Órgão:
Prefeitura de Carnaúba dos Dantas - RN
Prova:
FUNCERN - 2024 - Prefeitura de Carnaúba dos Dantas - RN - Professor de Letras - Língua Portuguesa |
Q2373507
Português
Texto associado
TEXTO 1
Mais uma distorção: comunicar é o que importa
Marcos Bagno
Existe na nossa cultura escolar, no que diz respeito ao ensino de língua, uma ideia muito entranhada
e que precisa ser veementemente exposta e combatida. É a noção de que “o que importa é comunicar”, de
que “se a mensagem foi transmitida, tudo bem”, e coisas assim. É fundamental deixar bem claro aqui que
não, não e não — essa é uma visão muito pobre e mesquinha do que é a língua e dos mecanismos sociais
que a envolvem. Repetir essa ideia é algo extremamente prejudicial para uma boa educação linguística.
Essa ideia é uma deturpação violenta de teorias linguísticas sofisticadas que, lidas pela metade ou
só na superfície (quando são lidas), se transformam em conceitos tomados como “verdades científicas” pelos
que não se empenham em estudar mais a fundo. E, para piorar, serve de acusação contra os linguistas por
parte de pessoas que pretendem, com isso, desqualificar o trabalho dos pesquisadores e tentar preservar a
ferro e fogo uma concepção de “língua culta” obtusa, obscura e irreal.
Essas pessoas alegam que, para os linguistas, “vale tudo”, que “o importante é comunicar”, que “não
é preciso corrigir os alunos”, entre outras acusações injustas que não correspondem a nada que linguistas
sérios já escreveram ou disseram em público. Para se opor, então, ao que os linguistas jamais disseram, os
defensores de uma concepção de língua (e de sociedade) arcaica e pré-científica apregoam o “ensino da
gramática” e a inculcação de uma escorregadia “norma culta”.
A língua é muito mais do que um simples instrumento de comunicação. Ela é palco de conflitos sociais,
de disputas políticas, de propaganda ideológica, de manipulação de consciências, entre muitas outras coisas.
A manipulação social da língua nos leva a votar nessa ou naquela pessoa, a comprar tal ou qual produto, a
admitir que determinado evento ocorreu de determinada maneira e não de outra, a aderir a uma ideia, a
acreditar nessa ou naquela religião, e por aí vai, e vai longe...
No mercado financeiro, por exemplo, tudo se faz por meio das palavras. Os títulos negociados na
Bolsa de Valores não têm existência concreta, são mera abstração, dependem exclusivamente do que se diz
ou do que se deixa de dizer: basta lançar um boato sobre uma empresa dizendo que ela está para falir, e o
valor das ações despenca. O que alguns chamam de “invasão” (de terras, por exemplo) outros chamam de
“ocupação” (de áreas improdutivas). Onde alguns falam de “terrorismo” outros preferem falar de “revolução”.
Para os fiéis de uma determinada religião, certos atos são “pecados”, enquanto para os de outra são
perfeitamente justificados e bem-vindos. O que o governo americano chamou de “Guerra do Iraque” muitos
analistas classificam simplesmente de “invasão”, já que os iraquianos não fizeram nada contra os Estados
Unidos.
A língua é a nossa faculdade mais poderosa, é o nosso principal modo de apreensão da realidade e
de intervenção nessa mesma realidade. Vivemos mergulhados na linguagem, não conseguimos nos imaginar
fora dela — estamos mais imersos na língua do que os peixes na água.
Além disso, a língua é um fator importantíssimo na construção da identidade de cada indivíduo e de
cada coletividade. Ela tem um valor simbólico inegável, é moeda de troca, é arame farpado capaz de incluir
alguns e excluir muitos outros. É pretexto para exploração, espoliação, discriminação e até mesmo massacres
e genocídios, como já vem expresso num conhecido episódio bíblico.
Numa guerra entre duas tribos de Israel, os galaaditas e os efraimitas, os primeiros se apoderaram
dos vaus do Jordão, trechos rasos que podiam ser atravessados a pé. Quando alguém atravessava o rio, os
galaaditas mandavam que pronunciasse a palavra shibboleth (“espiga”): na variedade linguística dos
efraimitas, a palavra era pronunciada sibboleth, sem o “chiado” inicial. Quando ouviam essa pronúncia, os
galaaditas “então os matavam nos vaus do Jordão. Caíram naquele tempo quarenta e dois mil homens de
Efraim” (Juízes 12,4-6). Por isso o termo shibboleth é usado para designar qualquer elemento social
empregado para discriminar ou mesmo exterminar uma pessoa ou grupo de pessoas.
Portanto, não se pode admitir essa falácia de que “o importante é comunicar”. Abrir a boca para falar
é se expor, inevitavelmente, aos julgamentos sociais, positivos e negativos, que configuram nossa cultura.
Falar é comunicar, sim, mas não “transmitir uma mensagem” como ingenuamente se pensa: é comunicar
quem somos, de onde viemos, a que comunidade pertencemos, o quanto estamos (ou não) inseridos nos
modos de ver, pensar e agir do nosso interlocutor.
Assim, numa sociedade como a brasileira, tradicionalmente excludente e discriminadora, é
fundamental que a escola possibilite a seus aprendizes o acesso ao espectro mais amplo possível de modos
de expressão, a começar pelo domínio da escrita e da leitura, direito inalienável de qualquer pessoa que viva
num país republicano e democrático. A leitura e a escrita, o letramento, enfim, abre as portas de incontáveis
mundos discursivos, aos quais os aprendizes só vão ter acesso por meio da escolarização institucionalizada.
(BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2011)
No oitavo parágrafo, no segundo e terceiro períodos, o tempo verbal empregado é o
Ano: 2024
Banca:
FUNCERN
Órgão:
Prefeitura de Carnaúba dos Dantas - RN
Prova:
FUNCERN - 2024 - Prefeitura de Carnaúba dos Dantas - RN - Professor de Letras - Língua Portuguesa |
Q2373508
Português
Texto associado
TEXTO 2
Os certinhos e os seres do abismo
Luís Fernando Veríssimo
Era assim no meu tempo de frequentador de aulas ("estudante" seria um exagero), mas não deve ter
mudado muito. A não ser quando a professora ou o professor designasse o lugar de cada um segundo alguma
ordem, como a alfabética – e nesse caso eu era condenado pelo sobrenome a sentar no fundo da sala, junto
com os Us, os Zs e os outros Vs –, os alunos se distribuíam pelas carteiras de acordo com uma geografia
social espontânea, nem sempre bem definida, mas reincidente.
Na frente sentava a Turma do Apagador, assim chamada porque era a eles que a professora recorria
para ajudar a limpar o quadro-negro e os próprios apagadores. Nunca entendi bem por que se sujar com pó
de giz era considerado um privilégio, mas a Turma do Apagador era uma elite, vista pelo resto da aula como
favoritos do poder e invejada e destratada com a mesma intensidade. Quando passavam para os graus
superiores, os apagadores podiam perder sua função e deixar de ser os queridinhos da tia, mas mantinham
seus lugares e sua pose, esperando o dia da reabilitação, como todas as aristocracias tornadas irrelevantes.
Não se deve confundir a Turma do Apagador com os Certinhos e os Bundas de Aço. Os certinhos
ocupavam as primeiras fileiras para não se misturarem com a Massa que sentava atrás, os bundas de aço
para estarem mais perto do quadro-negro e não perderem nada. Todos os apagadores eram certinhos, mas
nem todos os certinhos eram apagadores, e os bundas de aço não eram necessariamente certinhos. Muitos
bundas de aço, por exemplo, eram excêntricos, introvertidos, ansiosos – enfim, esquisitos. Já os certinhos
autênticos se definiam pelo que não eram. Não eram nem puxa-sacos como os apagadores, nem estranhos
como os bundas de aço, nem medíocres como a Massa, nem bagunceiros como os Seres do Abismo, que
sentavam no fundo, e sua principal característica eram os livros encapados com perfeição.
Atrás dos apagadores, dos certinhos e dos bundas de aço ficava a Massa, dividida em núcleos, como
o Núcleo do Nem Aí, formado por três ou quatro meninas que ignoravam as aulas, davam mais atenção aos
próprios cabelos e, já que tinham esse interesse em comum, sentavam juntas; o Clube de Debates, algumas
celebridades (a garota mais bonita da aula, o cara que desenhava quadrinho de sacanagem) e seus
respectivos círculos de admiradores, e nós do Centrão Desconsolado, que só tínhamos em comum a vontade
de estar em outro lugar.
E no fundo sentavam os Seres do Abismo, cuja única comunicação com a frente da sala eram os
ocasionais mísseis que disparavam lá de trás e incluíam desde o gordo que arrotava em vários tons até uma
proto-dark, provavelmente a primeira da história, com tatuagem na coxa.
Mas isso, claro, foi na Idade Média.
Disponível em:<http://veja.abril.com.br/especiais/jovens> . Acesso em: 10 abr. 2023.
O texto é representativo da sequência
Ano: 2024
Banca:
FUNCERN
Órgão:
Prefeitura de Carnaúba dos Dantas - RN
Prova:
FUNCERN - 2024 - Prefeitura de Carnaúba dos Dantas - RN - Professor de Letras - Língua Portuguesa |
Q2373509
Português
Texto associado
TEXTO 2
Os certinhos e os seres do abismo
Luís Fernando Veríssimo
Era assim no meu tempo de frequentador de aulas ("estudante" seria um exagero), mas não deve ter
mudado muito. A não ser quando a professora ou o professor designasse o lugar de cada um segundo alguma
ordem, como a alfabética – e nesse caso eu era condenado pelo sobrenome a sentar no fundo da sala, junto
com os Us, os Zs e os outros Vs –, os alunos se distribuíam pelas carteiras de acordo com uma geografia
social espontânea, nem sempre bem definida, mas reincidente.
Na frente sentava a Turma do Apagador, assim chamada porque era a eles que a professora recorria
para ajudar a limpar o quadro-negro e os próprios apagadores. Nunca entendi bem por que se sujar com pó
de giz era considerado um privilégio, mas a Turma do Apagador era uma elite, vista pelo resto da aula como
favoritos do poder e invejada e destratada com a mesma intensidade. Quando passavam para os graus
superiores, os apagadores podiam perder sua função e deixar de ser os queridinhos da tia, mas mantinham
seus lugares e sua pose, esperando o dia da reabilitação, como todas as aristocracias tornadas irrelevantes.
Não se deve confundir a Turma do Apagador com os Certinhos e os Bundas de Aço. Os certinhos
ocupavam as primeiras fileiras para não se misturarem com a Massa que sentava atrás, os bundas de aço
para estarem mais perto do quadro-negro e não perderem nada. Todos os apagadores eram certinhos, mas
nem todos os certinhos eram apagadores, e os bundas de aço não eram necessariamente certinhos. Muitos
bundas de aço, por exemplo, eram excêntricos, introvertidos, ansiosos – enfim, esquisitos. Já os certinhos
autênticos se definiam pelo que não eram. Não eram nem puxa-sacos como os apagadores, nem estranhos
como os bundas de aço, nem medíocres como a Massa, nem bagunceiros como os Seres do Abismo, que
sentavam no fundo, e sua principal característica eram os livros encapados com perfeição.
Atrás dos apagadores, dos certinhos e dos bundas de aço ficava a Massa, dividida em núcleos, como
o Núcleo do Nem Aí, formado por três ou quatro meninas que ignoravam as aulas, davam mais atenção aos
próprios cabelos e, já que tinham esse interesse em comum, sentavam juntas; o Clube de Debates, algumas
celebridades (a garota mais bonita da aula, o cara que desenhava quadrinho de sacanagem) e seus
respectivos círculos de admiradores, e nós do Centrão Desconsolado, que só tínhamos em comum a vontade
de estar em outro lugar.
E no fundo sentavam os Seres do Abismo, cuja única comunicação com a frente da sala eram os
ocasionais mísseis que disparavam lá de trás e incluíam desde o gordo que arrotava em vários tons até uma
proto-dark, provavelmente a primeira da história, com tatuagem na coxa.
Mas isso, claro, foi na Idade Média.
Disponível em:<http://veja.abril.com.br/especiais/jovens> . Acesso em: 10 abr. 2023.
O tempo verbal dominante no texto