Atenção: A questão refere-se ao texto
seguinte.
Velhas cartas
“Você nunca saberá o bem que sua carta me fez...” Sinto
um choque ao ler esta carta antiga que encontro em um maço
de outras. Vejo a data, e então me lembro onde estava quando
a recebi. Não me lembro é do que escrevi que fez tanto bem a
uma pessoa. Passo os olhos por essas linhas antigas, elas dão
notícias de amigos, contam uma ou outra coisa do Rio e tenho
curiosidade de ver como ela se despedia de mim. É do jeito
mais simples: “A saudade de...”
Agora folheio outras cartas de amigos e amigas; são
quase todas de apenas dois ou três anos atrás. Mas como isso
está longe! Sinto-me um pouco humilhado, pensando como certas pessoas me eram necessárias e agora nem existiriam mais
na minha lembrança se eu não encontrasse essas linhas rabiscadas em Londres ou na Suíça. “Cheguei neste instante; é a
primeira coisa que faço, como prometi, escrever para você,
mesmo porque durante a viagem pensei demais em você...”
Isto soa absurdo a dois anos e meio de distância. Não
faço a menor ideia do paradeiro dessa mulher de letra redonda;
ela, com certeza, mal se lembrará do meu nome. E esse casal,
santo Deus, como era amigo: fazíamos planos de viajar juntos
pela Itália; os dias que tínhamos passado juntos eram “inesquecíveis”.
E esse amigo como era amigo! Entretanto, nenhum de
nós dois se lembrou mais de procurar o outro. (...) As cartas
mais queridas, as que eram boas ou ruins demais, eu as rasguei há muito. Não guardo um documento sequer das pessoas
que mais me afligiram e mais me fizeram feliz. Ficaram apenas,
dessa época, essas cartas que na ocasião tive pena de rasgar e
depois não me lembrei de deitar fora. A maioria eu guardei para
responder depois, e nunca o fiz. Mas também escrevi muitas
cartas e nem todas tiveram resposta.
(BRAGA, Rubem. 200 crônicas escolhidas. Rio de Janeiro:
Record, 1978. p. 271/272)