Texto CB1A1
Hoje, a crise hídrica é política — o que significa dizer não
inevitável ou necessária, nem além da nossa capacidade de
consertá-la — e, logo, opcional, na prática. Esse é um dos
motivos para ser, não obstante, terrível como parábola climática:
um recurso abundante torna-se escasso pela falta de
infraestrutura, pela poluição e pela urbanização e
desenvolvimento descuidados. A crise de abastecimento de água
não é inevitável, mas presenciamos uma, de um modo ou de
outro, e não estamos fazendo muita coisa para resolvê-la.
Algumas cidades perdem mais água por vazamentos do que a que
é entregue nas casas: mesmo nos Estados Unidos da América
(EUA), vazamentos e roubos respondem por uma perda estimada
de 16% da água doce; no Brasil, a estimativa é de 40%. Em
ambos os casos, assim como por toda parte, a escassez se
desenrola tão patentemente sobre o pano de fundo das
desigualdades entre pobres e ricos que o drama resultante da
competição pelo recurso dificilmente pode ser chamado, de fato,
de competição; o jogo está tão arranjado que a escassez de água
mais parece um instrumento para aprofundar a desigualdade. O
resultado global é que pelo menos 2,1 bilhões de pessoas no
mundo não têm acesso a água potável segura, e 4,5 bilhões não
dispõem de saneamento.
David Wallace-Wells. A terra inabitável: uma história do futuro.
São Paulo: Cia das Letras, 2019. (com adaptações).