Oh, Deus, meu Deus, que misérias e enganos não
experimentei, quando simples criança me propunham vida reta e
obediência aos mestres, a fim de mais tarde brilhar no mundo e
me ilustrar nas artes da língua, servil instrumento da ambição e
da cobiça dos homens.
Fui mandado à escola para aprender as primeiras letras,
cuja utilidade eu, infeliz, ignorava. Todavia, batiam-me se no
estudo me deixava levar pela preguiça. As pessoas grandes
louvavam esta severidade. Muitos dos nossos predecessores na
vida tinham traçado estas vias dolorosas, por onde éramos
obrigados a caminhar, multiplicando os trabalhos e as dores aos
filhos de Adão. Encontrei, porém, Senhor, homens que Vos
imploravam, e deles aprendi, na medida em que me foi possível,
que éreis alguma coisa de grande e que podíeis, apesar de
invisível aos sentidos, ouvir-nos e socorrer-nos.
Ainda menino, comecei a rezar-Vos como a “meu auxílio
e refúgio”, desembaraçando-me das peias da língua para Vos
invocar. Embora criança, mas com ardente fervor, pedia-Vos que
na escola não fosse açoitado.
Quando me não atendíeis — “o que era para meu
proveito” —, as pessoas mais velhas e até os meus próprios pais,
que, afinal, me não desejavam mal, riam-se dos açoites — o meu
maior e mais penoso suplício.
Contudo, pecava por negligência, escrevendo, lendo e
aprendendo as lições com menos cuidado do que de nós exigiam.
Senhor, não era a memória ou a inteligência que me
faltavam, pois me dotastes com o suficiente para aquela idade.
Mas gostava de jogar, e aqueles que me castigavam procediam de
modo idêntico! As ninharias, porém, dos homens chamam-se
negócios; e as dos meninos, sendo da mesma natureza, são
punidas pelos grandes, sem que ninguém se compadeça da
criança, nem do homem, nem de ambos.
Santo Agostinho. Confissões. Montecristo Editora. Edição do Kindle, p. 23-24 (com adaptações).
Com relação às ideias e aos aspectos linguísticos do texto
precedente, julgue os itens a seguir.