TEXTO 01
O texto abaixo servirá de base para responder a questão.
A CRISE QUE ESTAMOS ESQUECENDO
(1º§) "Todos os indivíduos, não importa a conta
bancária, profissão ou cor dos olhos, podem reverter
esta outra crise: a do desrespeito geral que provoca
violência física ou grosseria verbal em casa, no
trabalho, no trânsito".
(2º§) O tema do momento é a crise financeira global.
Eu aqui falo de outra, que atinge a todos nós, mas
especialmente jovens e crianças: a violência contra
professores e a grosseria no convívio em casa. Duas
pontas da nossa sociedade se unem para produzir
isso: falta de autoridade amorosa dos pais (e
professores) e péssimo exemplo de autoridades e
figuras públicas.
(3º§) Pais não sabem como resolver a má-criação
dos pequenos e a insolência dos maiores. Crianças
xingam os adultos, chutam a babá, a psicóloga, a
pediatra. Adolescentes chegam de tromba junto do
carro em que os aguardam pai ou mãe: entram sem
olhar aquele que nem vira o rosto para eles.
Cumprimento, sorriso, beijo? Nem pensar. Como
será esse convívio na intimidade? Como funciona a
comunicação entre pais e filhos? Nunca será idílica,
isso é normal: crescer é também contestar. Mas
poderíamos mudar as regras desse jogo: junto com
afeto, deveriam vir regras, punições e recompensas.
Que tal um pouco de carinho e respeito, de parte a
parte? Para serem respeitados, pai e mãe devem
impor alguma autoridade, fundamento da segurança
dos filhos neste mundo difícil, marcando seus futuros
relacionamentos pessoais e profissionais.
Mal-amados, mal-ensinados, jovens abrem caminho
às cotoveladas e aos pontapés.
(4º§) Mal pagos e pouco valorizados, professores se
encolhem, permitindo abusos inimagináveis alguns
anos atrás. Uma adolescente empurra a professora,
que bate a cabeça na parede e sofre uma
concussão. Um menininho chama a professora de
"vadia", em aula. Professores levam xingações de
pais e alunos, além de agressões físicas, cuspidas,
facadas, empurrões. Cresce o número de mestres
que desistem da profissão: pudera. Em escolas e
universidades, estudantes falam alto, usam o celular,
entram e saem da sala enquanto alguém trabalha
para o bem desses que o tratam como um
funcionário subalterno. Onde aprenderam isso, se
não, em primeira instância, em casa? O que
aconteceu conosco? Que trogloditas somos - e produzimos -, que maltrapilhos emocionais estamos
nos tornando, como preparamos a nova geração
para a vida real, que não é benevolente nem dobra
sua espinha aos nossos gritos? Obviamente não é
assim por toda parte, nem os pais e mestres são
responsáveis por tudo isso, mas é urgente parar
para pensar.
(5º§) Na outra ponta, temos o espetáculo deprimente
dos escândalos públicos e da impunidade reinante.
Um Senado que não tem lugar para seus milhares
de funcionários usarem computador ao mesmo
tempo, e nem sabia quantos diretores tinha: 180 ou
trinta? Autoridades que incitam ao preconceito racial
e ao ódio de classes? Governos bons são
caluniados, os piores são prestigiados. Não cedemos
ao adversário nem o bem que ele faz: que importa o
bem, se queremos o poder? Guerra civil nas ruas,
escolas e hospitais precários, instituições
moralmente falidas, famílias desorientadas, moradias
sub-humanas, prisões onde não criaríamos porcos.
(6º§) Que profunda e triste impressão, sobretudo nos
mais simples e desinformados e naqueles que ainda
estão em formação. Jovens e adultos reagem a isso
com agressividade ou alienação em todos os níveis
de relacionamento. O tema "violência em casa e na
escola" começa a ser tratado em congressos,
seminários, entre psicólogos e educadores. Não vi
ainda ações eficazes.
(7º§) Sem moralismo (diferente de moralidade) nem
discursos pomposos ou populistas, pode-se mudar
uma situação que se alastra - ou vamos adoecer
disso que nos enoja. Quase todos os países foram
responsáveis pela gravíssima crise financeira
mundial. Todos os indivíduos, não importa a conta
bancária, profissão ou cor dos olhos, podem reverter
esta outra crise: a do desrespeito geral que provoca
violência física ou grosseria verbal em casa, no
trabalho, no trânsito. Cada um de nós pode escolher
entre ignorar e transformar. Melhor promover a sério
e urgentemente uma nova moralidade, ou fingimos
nada ver, e nos abancamos em definitivo na pocilga.
(Lya Luft é escritora - Fonte: Revista Veja)