Leia o texto para responder à questão.
Flor-de-maio
Entre tantas notícias do jornal – o crime de Sacopã, o
disco voador em Bagé, a nova droga antituberculosa, o
andaime que caiu, o homem que matou outro com machado
e com foice, o possível aumento do pão – há uma pequenina
nota de três linhas, que nem todos os jornais publicaram. É
assinada pelo senhor diretor do Jardim Botânico, e diz que a
partir do dia 27 vale a pena visitar o Jardim, porque a planta
chamada “flor-de-maio” está, efetivamente, em flor.
Meu primeiro movimento, ao ler esse delicado convite,
foi deixar a mesa da redação e me dirigir ao Jardim Botânico,
contemplar a flor e cumprimentar a administração do horto
pelo feliz evento. Mas havia ainda muita coisa para ler e
escrever, telefonemas a dar, providências a tomar.
Suspiro e digo comigo mesmo – que amanhã acordarei
cedo e irei. Digo, mas não acredito, ou pelo menos desconfio
que esse impulso que tive ao ler a notícia ficará no que foi –
um impulso de fazer uma coisa boa e simples, que se perde
no meio da pressa e da inquietação dos minutos que voam.
No fundo, a minha secreta esperança é de que estas
linhas sejam lidas por alguém – uma pessoa melhor do
que eu, alguma criatura correta e simples que tire dessa
crônica a sua substância, a informação precisa e preciosa:
no dia 27 em diante as “flores-de-maio” do Jardim Botânico
estão gloriosamente em flor. E que utilize essa informação
saindo de casa e indo diretamente ao Jardim Botânico ver a
“flor-de-maio”.
Ir só, no fim da tarde, ver a “flor-de-maio”; aproveitar a
única notícia boa de um dia inteiro de jornal, fazer a coisa
mais bela e emocionante de um dia inteiro da cidade imensa.
Se entre vós houver essa criatura, e ela souber por mim a
notícia, e for, então eu vos direi que nem tudo está perdido;
que a humanidade possivelmente ainda poderá ser salva, e
que às vezes ainda vale a pena escrever uma crônica.
(Rubem Braga. Para gostar de ler. São Paulo: Ática, 1992, Adaptado)