TEXTO 1
Tudo aconteceu muito depressa. No dia em que saí do castigo, a sinhá mandou me chamar e disse
que era para eu subir com a minha trouxa. A Esméria não soube explicar o motivo e fiquei com medo de
ser mandada de volta a fazenda, pois a Antônia disse que tinha acabado de chegar um homem com ares de
capataz ou algo assim. A sinhá Ana Felipa me esperava na sala, com o Banjokô no colo, e informou que eu
tinha sido alugada, que podia me despedir do meu filho, pois ele ficaria muito bem com ela, e que estava
fazendo aquilo porque não poderia se arriscar me mantendo por perto depois do que eu tinha feito. Acho
que, na verdade, ela tinha um grande medo de que eu fugisse levando o menino, coisa que, confesso, tinha
passado muitas vezes pelos meus pensamentos, mas que eu não tinha coragem de fazer. Não por mim, que
poderia arrumar maneiras de me cuidar, mas ele ainda era muito pequeno e precisava de cuidados, não
podia dormir em qualquer lugar ou ficar sem ter o que comer, pois meu leite já tinha começado a diminuir
e poderia acabar de vez se eu não me alimentasse bem. Nos primeiros dias do castigo, o peito ficava tão
cheio que chegava a doer, mas a Antônia tinha me instruído a tirar um pouco todas as manhãs e antes de
dormir, e a cada dia eu precisava tirar menos que no dia anterior. […]
E foi assim que saí da casa da sinhá Ana Felipa e entrei na casa da família Clegg, agarrada pelo
braço por um escravo deles e equilibrando na cabeça uma trouxa com duas mudas de roupa, depois de ter
dado um único beijo no rosto do meu filho e tê-lo deixado chorando nos braços de sua protetora. A sinhá
disse que eu poderia vê-lo aos domingos, com ela por perto, e que aquilo não era uma venda, ela estava
apenas me alugando e, dependendo de como eu me comportasse, poderia desfazer o negócio. Não tive
tempo de me despedir dos outros, apenas um rápido olhar para a Esméria e a Antônia, e o choro do Banjokô
me acompanhou até o portão. (GONÇALVES, Ana Maria. Um defeito de cor. Rio de Janeiro: Record,
2006).