A outra noite
Outro dia fui a São Paulo e resolvi voltar à noite, uma noite de vento sul e chuva, tanto lá como aqui. Quando vinha para
casa de táxi, encontrei um amigo e o trouxe até Copacabana; e contei a ele que lá em cima, além das nuvens, estava um luar
lindo, de Lua cheia; e que as nuvens feias que cobriam a cidade eram, vistas de cima, enluaradas, colchões de sonho, alvas, uma
paisagem irreal.
Depois que o meu amigo desceu do carro, o chofer aproveitou um sinal fechado para voltar-se para mim:
– O senhor vai desculpar, eu estava aqui a ouvir sua conversa. Mas, tem mesmo luar lá em cima?
Confirmei: sim, acima da nossa noite preta e enlamaçada e torpe havia uma outra – pura, perfeita e linda.
– Mas, que coisa...
Ele chegou a pôr a cabeça fora do carro para olhar o céu fechado de chuva. Depois continuou guiando mais lentamente.
Não sei se sonhava em ser aviador ou pensava em outra coisa.
– Ora, sim senhor...
E, quando saltei e paguei a corrida, ele me disse um “boa noite” e um “muito obrigado ao senhor” tão sinceros, tão veementes,
como se eu lhe tivesse feito um presente de rei.
(BRAGA, Rubem. In: Para gostar de ler – Volume II. São Paulo: Ática, 1992.)