Tempo e vida
Fernando Brant
Andei pensando em um poema de Carlos Drummond de
Andrade chamado “Apelo aos meus dessemelhantes em
favor da paz”. É que me assusta, como sei que deve
atemorizar muita gente, a sensação de não dominar o
meu tempo, de ser conduzido pelo desejo dos outros.
Coincidência ou não, numa noite em que me vi sozinho
andando pelas ruas do Leblon, no Rio, resolvi parar
em um bar onde poderiam estar amigos. Não conhecia
ninguém, logo me dei conta. Mas eu queria fazer uma
hora antes de me dirigir ao hotel para o descanso
noturno. Não estava a fim de assistir, na televisão,
aos massacres novelescos e noticiosos.
Resolvi comprar algum livro ou revista na banca da
esquina. E me deparei com o tratado de Sêneca,
Sobre a brevidade da vida. Pequeno, pouco mais de
oitenta páginas, encontrei nele o parceiro ideal para
uma rodada de chope. “Nenhum homem sábio deixará
de se espantar com a cegueira do espírito humano.
Ninguém permite que sua propriedade seja invadida e,
havendo discórdia quanto aos limites, por menor que
seja, os homens pegam em pedras e armas. No entanto,
permitem que outros invadam suas vidas de tal modo
que eles próprios conduzem seus invasores a isso.
Não se encontra ninguém que queira dividir sua riqueza,
mas a vida é distribuída entre muitos. São econômicos
na preservação de seu patrimônio, mas desperdiçam o
tempo, a única coisa que justifica a avareza.”
Enquanto o chope percorria lentamente o seu caminho
– do garçom para o copo, do copo para a garganta –,
antigas ideias me chegavam. O tempo que temos para
viver é um período bom, se não nos atolarmos em
necessidades que não temos. Tempo não é dinheiro,
como dizem os capitalistas. Tempo é muito mais e
melhor. Somos levados a aceitar um redemoinho de
compromissos, de vícios, de ativismo e velocidade
desnecessária. Uns pensam em trabalhar como animal
agora, para aproveitar, no amanhã, a aposentadoria.
Mas e se não houver esse amanhã? A tecnologia criou
possibilidades imperdíveis de se trabalhar menos e
produzir melhor, mas o sistema aumenta cada vez mais
a carga de ocupação das pessoas. Qual o motivo de se
perder tempo com tanta coisa inútil? Não se tem tempo
para cuspir, é o que se costuma dizer. Mas o que não se
tem, mesmo, é tempo de amar, se divertir sadiamente,
curtir os filhos e seu desenvolvimento, os amigos,
conhecer as belezas que a sabedoria e a cultura nos
oferecem. [...]
BRANT, Fernando. Casa aberta.
Sabará: Edições Dubolsinho, 2011.