A volta do filho pródigo
Meus pais não me compreendem, ele pensava sempre.
As brigas, em casa, eram frequentes. Os pais reclamavam
do som muito alto, das roupas estranhas, das tatuagens.
Revoltado, decidiu fugir de casa. Sabia que, para seus
velhos, aquilo seria uma dura prova: afinal, ele era filho
único. Mas estava na hora de mostrar que não era
mais criança. Estava na hora de dar a eles uma lição.
Botou algumas coisas na mochila e, numa madrugada,
deixou o apartamento. Tomou um ônibus e foi para uma
cidade distante onde tinha amigos.
Ali ficou por vários meses. Não foi uma experiência
gratificante, longe disso. Os amigos só o ajudaram na
primeira semana. Depois disso ficou entregue à própria
sorte. Teve de trabalhar como ajudante de cozinha,
morava num barraco, foi assaltado várias vezes,
até fome passou. Finalmente resolveu voltar. Mandou
um e-mail, dizendo que estaria em casa daí a dois dias.
E, lembrando que a mãe era uma grande leitora da
Bíblia, assinou-se como “Filho Pródigo”.
Chegou de noite, cansado, e foi direto para o prédio onde
morava. Como já não tinha a chave do apartamento,
bateu à porta. E aí a surpresa, a terrível surpresa.
O homem que estava ali não era seu pai. Na verdade,
ele nem sequer o conhecia. Mas o simpático senhor sabia
quem era ele: você deve ser o Fábio, disse, e convidou-o
a entrar. Explicou que tinha comprado o apartamento em
uma imobiliária:
– Seus pais não moram mais aqui. Eles se separaram.
A causa da separação tinha sido exatamente a fuga
do Fábio:
– Depois que você foi embora, eles começaram a
brigar, um responsabilizando o outro por sua fuga.
Terminaram se separando. Seu pai foi para o exterior.
De sua mãe, não sei. Parece que também mudou de
cidade, mas não sei qual.
Fábio não aguentou mais: caiu em prantos. O homem
se aproximou dele, abraçou-o. Entre aqui no seu
antigo quarto, disse, tenho uma coisa para lhe mostrar.
Ainda soluçando, Fábio entrou. E ali estavam, claro,
o pai e a mãe, ambos rindo e chorando ao mesmo
tempo. Tinha sido tudo uma encenação. Abraçaram-se,
Fábio jurando que nunca mais sairia de casa.
A verdade, porém, é que não gostou da brincadeira,
mesmo que ela tenha lhe ensinado muita coisa.
Os pais, ele acha, não podiam ter feito aquilo. Se fizeram,
é por uma única razão: não o compreendem. Um dia,
ele terá de sair de casa. Mais tarde, naturalmente,
quando for homem, quando tiver sua própria casa.
Só que aí levará os pais junto. Pais travessos como os
que ele tem precisam ser controlados.
SCLIAR, Moacyr. A volta do filho pródigo.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/
ff0404200505.htm. Acesso em: 8 ago. 2023.