Se é verdade que a capacidade de ficar perplexo é o começo da sabedoria, então esta verdade é um triste comentário à sabedoria do homem moderno. Quaisquer que sejam os méritos de nosso elevado grau de educação literária e universal, perdemos o
dom de ficar perplexos. Imagina-se que tudo seja conhecido − senão por nós, por algum especialista cujo mister seja saber aquilo que
não sabemos. De fato, ficar perplexo é constrangedor, um indício de inferioridade intelectual. À medida que vamos envelhecendo, aos
poucos perdemos a capacidade de ficar surpresos. Até as crianças raramente se surpreendem, ou pelo menos procuram não
demonstrar isso. Saber as respostas certas parece ser o principal; em comparação, considera-se insignificante o saber fazer as
perguntas certas.
Quiçá seja esta atitude uma razão por que um dos mais enigmáticos fenômenos de nossa vida, os nossos sonhos, dê margem
a pouco espanto e suscite tão poucas perguntas. Todos sonhamos: não entendemos nossos sonhos, e no entanto agimos como se de
nada estranho corresse em nossas mentes adormecidas, estranho ao menos em comparação com as atividades lógicas, deliberadas,
de nossas mentes quando estamos acordados.
Quando acordados, somos seres ativos, racionais, ávidos por tentar obter o que desejamos e prontos a defender-nos contra
qualquer ataque. Agimos e observamos; vemos o mundo exterior, talvez não como seja, mas no mínimo de maneira tal que o possamos usar e manipular. Todavia, também somos bastante desprovidos de imaginação, e raramente − exceto quando crianças ou se somos poetas − logramos conceber mais do que meras duplicações dos acontecimentos e tramas de nossa experiência concreta. Somos eficientes, mas um tanto desenxabidos. Denominamos ao campo de nossa observação diurna “realidade” e orgulhamo-nos de
nosso “realismo” e de nossa habilidade de manipulá-la.
(Adaptado de: FROMM, Erich. A linguagem esquecida. Trad.: VELHO, Octavio Alves. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1966)