Atenção: Para responder à questão, baseie-se no texto abaixo.
A imoralidade da alegria
Há uma célebre anotação no diário do escritor Franz Kafka, em 2 de agosto de 1914: “A Alemanha declarou guerra à Rússia. –
À tarde, natação.”. Essa anotação já foi lida como prova de alienação ou de frieza. Algo atroz acaba de se dar, o mundo está prestes a
colapsar, e o indiferente Franz segue sua vida como se nada acontecesse, jovialmente resolve nadar. Mostra a lamentável dissociação entre a vida pública, política, histórica, e a existência comezinha do indivíduo, em sua insignificância, em sua insensibilidade.
Ora, a reação de Kafka ao acontecimento sinistro não é ter ido nadar naquela tarde, mas justamente ter feito a anotação. Não
se trata de um lembrete qualquer para si mesmo, e sim, de uma inserção literária, como tantas outras passagens sintéticas e agudas
que encontramos em seu diário. A chave de sua compreensão talvez esteja na pontuação, no indiscreto travessão que liga uma coisa
à outra enquanto finge separá-las. Não há distância entre a vida coletiva e a particular: há entre elas contiguidade e tensão. Sua
escolha é ir à natação porque cancelá-la seria uma insensatez, um gesto de absoluta inutilidade, o pensamento mágico do homem
comum que acredita interferir nos rumos do mundo com suas ações menores.
(Adaptado de: FUKS, Julián. Lembremos do futuro. São Paulo, Companhia das Letras, 2022, p. 116)