Leia o texto a seguir para responder à questão.
Avanço da inteligência artificial abre debate sobre riscos da
tecnologia
Descobertas preocupam empresas e governos, geram forte
reação da sociedade e levam pesquisadores a buscar novas
formas de controle.
Por Alessandro Giannini – Publicado em 7 abr 2023.
O bioquímico e escritor de ficção científica russo-americano Isaac
Asimov (1920-1992) foi responsável por antecipar e popularizar,
em meados do século XX, o conceito de inteligência artificial – IA
na literatura. Influenciado pela emergente corrida espacial e pela
ebulição tecnológica de seu tempo, Asimov explorou temas como
moralidade, ética e as consequências da inovação para a
humanidade. No livro Eu, Robô, lançado em 1950, ele reúne nove
contos que mostram a evolução dos autômatos ao longo do
tempo. Os enredos se passam em um mundo no qual uma série
de regras, chamadas “Três Leis da Robótica”, protegem os seres
humanos das máquinas. Visionário, Asimov anteviu em sua obra
os temores expressos na carta divulgada há alguns dias pelo
Future of Life Institute, organização que busca reduzir o risco de
grandes tecnologias para a humanidade. Com milhares de
assinaturas, a missiva pede aos laboratórios de pesquisa que
parem imediatamente o desenvolvimento dos modelos de
inteligência artificial – IA, que estariam se tornando
perigosamente ativos na realização de tarefas mais complexas.
“Esses sistemas só devem progredir quando estivermos
confiantes de que seus efeitos serão positivos e seus riscos,
gerenciáveis”, adverte o texto.
Subscrito por nomes insuspeitos do mundo digital, como Elon
Musk, dono da Tesla e do Twitter, e Steve Wozniak, um dos
fundadores da Apple, o documento se tornou um grande sinal de
alerta. Entre os riscos descritos na mensagem estão a
disseminação de propaganda falsa e desinformação, a potencial
obsolescência humana e a perda do controle da civilização. Além
do caráter alarmista, surpreende o fato de personagens cuja
trajetória está diretamente ligada à inovação — Musk e Wozniak
em especial — desejarem deter o avanço tecnológico. Se eles
estão apreensivos com o desabrochar da inteligência artificial,
imagina-se que algo realmente danoso possa nos atingir.
O temor tem crescido em intensidade e levou a reações em série
de governos, empresas e organismos sociais. Na Europa, a Itália
bloqueou o funcionamento do ChatGPT, aplicativo criado pela
OpenAI que simula conversação humana. Segundo os italianos,
o app viola a lei local de dados pessoais. França e Alemanha
estão considerando seguir os mesmos passos do país vizinho. Na
semana passada, o presidente americano Joe Biden se reuniu
com seu conselho de consultores em ciência e tecnologia para
debater os “riscos e oportunidades” envolvidos no campo da IA,
agora aquecido pela competição aguerrida de conglomerados
como as americanas Microsoft e Google e as chinesas Baidu e
Tencent, entre outros gigantes. Uma das propostas na mesa seria
regulamentar o setor. “A questão é que grupos relativamente
pequenos, com recursos limitados, podem avançar a pesquisa
nessas áreas”, disse a VEJA o brasileiro Marcelo Gleiser, físico,
astrônomo e professor da Dartmouth College, nos EUA.
“Portanto, a regulamentação torna-se muito complexa. Quem
poderá garantir que as leis serão seguidas?”
A perspectiva histórica enriquece o debate. Quando se analisam
com atenção as inovações do passado — as máquinas a vapor,
a internet ou o sequenciamento de genomas, é importante
observar que elas, especialmente em seu período de afirmação,
foram alvo de questionamentos e consideradas perigosas para a
humanidade. Contudo, todas se comportaram como o mito da
Caixa de Pandora: uma vez aberta, seu conteúdo não pode mais
ser contido. A mesma lógica vale para a inteligência artificial?
Provavelmente, sim.
[...] Duvidar do potencial das novas tecnologias é típico do espírito
humano. Em 1943, o então presidente da IBM, Thomas Watson,
disse algo que se tornou risível com o passar dos anos: “Eu
acredito que há mercado para talvez cinco computadores”. Em
1946, Darryl Zanuck, fundador do estúdio 20th Century Fox,
declarou que “a televisão não vai conseguir se segurar no
mercado por mais de seis meses”.
É fácil criticar o passado com os olhos do presente. Mais difícil
talvez seja compreender o potencial disruptivo de uma tecnologia
e dimensionar seus riscos. Não são poucos os perigos
associados à inteligência artificial. Entre os mais marcantes estão
a concentração de poder nas mãos de poucas empresas, o
desaparecimento de empregos pela automação de atividades, a
disseminação descontrolada de ataques cibernéticos e o
desenvolvimento de armas autônomas. [...] Mas há um aspecto
vital que não pode ser ignorado: o econômico. O mercado de IA
está avaliado em 142,3 bilhões de dólares e continua a avançar
impulsionado pelo fluxo crescente dos investimentos que recebe.
[...] Muitos cientistas, empresários e empreendedores
argumentam que os benefícios da tecnologia superam os riscos
embutidos nela. O bilionário e filantropo Bill Gates está entre os
que pensam dessa maneira. Gates reconheceu e listou avanços
gerados pela inteligência artificial que podem ser conquistados
em campos como bem-estar social, educação e meio ambiente.
Ao mesmo tempo, faz uma importante ponderação. Segundo ele,
é imperativo garantir que todos — e não apenas os ricos —
desfrutem da nova tecnologia.
Em linhas gerais, existem quatro níveis básicos de inteligência
artificial. A primeira, a “fraca”, está associada a tarefas como
trancar a porta do carro. No segundo patamar, chamado de
“geral”, ela é aplicável a atividades automatizadas que quase não
precisam de supervisão humana, como linhas de produção ou a
gestão de lavouras. A terceira vertente, denominada
“superinteligência artificial”, é usada em máquinas capazes de
tomar decisões rápidas de forma quase autônoma, como os
carros sem motorista. Recentemente, surgiu a “generativa”,
capaz de criar textos, imagens, códigos de programação, vídeos
ou qualquer outra linguagem natural, a partir de sistemas de
aprendizado de máquina e grandes modelos de linguagem (LLM,
na sigla em inglês). O aplicativo “aprende” a partir de buscas em
bancos de dados abertos e também analisando os estímulos
(“prompts”) alimentados pelos usuários.
Sucesso desde que foi lançado, no fim do ano passado, o
ChatGPT conquistou corações e mentes ao responder a
estímulos escritos dos usuários como se fosse uma pessoa real.
A despeito dos tropeços iniciais, o chatbot, como é chamada a
ferramenta criada pela empresa americana OpenAI, ganhou
tração popular e atraiu a atenção da Microsoft. [...] É importante
reconhecer que esses modelos de linguagem não são perfeitos e
têm limitações, como produzir respostas incorretas e sem sentido,
além de possíveis vieses.
Mais ou menos ao mesmo tempo, surgiram os geradores de
imagens como DALL-E (também da OpenAI), Midjourney e Stable
Diffusion, que produzem cenas realistas a partir de definições
propostas pelos usuários. Os resultados são tão impressionantes
que uma fotografia falsa do papa Francisco vestindo um
sobretudo de tecido sintético acolchoado enganou até veículos
especializados em moda. Imagens do ex-presidente americano
Donald Trump sendo preso em Nova York e do presidente francês
Emmanuel Macron atacando manifestantes em Paris rodaram a
internet. [...] “Só há uma solução”, disse a VEJA o eng. de robótica
israelense Hod Lipson, professor da Universidade Columbia e
estudioso do assunto. “Você sempre pode gerar outra inteligência
artificial para distinguir o real e o falso.”
A despeito da evolução das tecnologias associadas à inteligência
artificial, é consenso entre especialistas e pesquisadores que a
natureza humana e sua integridade devem prevalecer. Criador do
conceito de realidade virtual e ferrenho crítico das redes sociais,
o cientista da computação americano Jaron Lanier declarou
recentemente, em tom jocoso, que o maior perigo desses
aplicativos não é seu potencial destrutivo, mas a possibilidade de
que “nos deixem loucos”. Também signatário da carta que
defende um freio de arrumação na inteligência artificial, o
historiador e escritor israelense Yuval Noah Harari afirma que
avançar na sofisticação dos computadores “pode servir apenas
para fortalecer a estupidez natural dos humanos”. As
possibilidades são infinitas e, de fato, algumas são assustadoras.
Mas a verdade é que a inteligência artificial já está entre nós — e
esse é um movimento irreversível.
Adaptado https://veja.abril.com.br/tecnologia/avanco-da-inteligencia-artificial-abredebate-sobre-riscos-da-tecnologia