Nos últimos anos, uma das tendências mais
surpreendentes das ciências sociais pode ser descrita como a
descoberta da ignorância. À primeira vista, parece bizarra a
escolha desse objeto de estudo, pois há mais de trinta anos nos
dizem que vivemos numa sociedade do conhecimento. Está cada
vez mais claro, entretanto, que hoje vivemos também numa
sociedade da ignorância, em que, de fato, sabemos pouco sobre
as doenças, o meio ambiente e o funcionamento dos negócios e
da política.
Essa desconfortável tomada de consciência nos coloca um
desafio. Como estudar a falta de conhecimento? Uma das
respostas tem sido examinar as práticas correntes de ocultação de
informações ou circulação de fake news, descrevendo essas
atividades como exemplos da construção, produção ou fabricação
da ignorância, quando, por exemplo, encobrem calamidades ou
defendem que determinada droga não tem efeitos colaterais
perigosos. Seria mais preciso falar de manutenção do que de
produção da ignorância.
Outra resposta a esse novo desafio seria estudar a história
social da ignorância, perguntando quem ignora o quê em dado
lugar e em dada época, quais são as causas dessa ignorância e,
acima de tudo, que consequências ela produz. A humanidade
nunca soube tantas coisas como hoje, mas cada indivíduo tem
conhecimento apenas de uma parte ínfima desse saber. Quanto
mais se tem a saber, mais se pode ignorar.
Peter Burke. A ignorância na política. E a política da ignorância. Revista Piauí, ed. 168, 2020.
Internet:<https://piaui.folha.uol.com.br> (com adaptações).