Devemos salientar mais uma vez o caráter essencial dos
sentimentos negativos. Manifestações populares e mudança
social advêm do acúmulo de muitos cidadãos irritados e
ofendidos. Ocultar sentimentos negativos sob o tapete do
pensamento positivo significa estigmatizar e tornar vexaminosa a
estrutura emocional do mal-estar social e da instabilidade. Alguns
dirão que optamos por privar trabalhadores dos benefícios da
ciência do bem-estar em troca do aceno de uma ideia vaga de
consciência coletiva. A felicidade, como alguns empiristas
ferrenhos afirmarão, é o único bem tangível em que podemos pôr
as mãos aqui e agora. Nossa resposta e nossa objeção final
podem ser encontradas na famosa refutação do utilitarismo do
filósofo Robert Nozick. Em 1974, ele pediu a seus leitores que
participassem de um experimento mental que consistia em
imaginar que estamos conectados a uma máquina que nos
proporciona qualquer experiência prazerosa. Nossos cérebros
seriam estimulados a acreditar que estaríamos vivendo a vida que
desejamos. A pergunta de Nozick, então, era: dada a
possibilidade de escolha, você preferiria a máquina prazerosa à
vida real (e presumivelmente mais infeliz)? Uma resposta a essa
questão parece hoje ainda mais relevante do que antes, sobretudo
agora que a ciência da felicidade e as tecnologias virtuais se
tornam tão predominantes. Nossa resposta, assim como a de
Nozick, é a de que o prazer e a busca da felicidade não podem
superar a realidade e a busca por conhecimento — o pensamento
crítico sobre nós mesmos e sobre o mundo que nos rodeia. Uma
“máquina da experiência” do tipo que Nozick imaginou tem hoje
seu equivalente em uma indústria da felicidade que pretende nos
controlar: ela não apenas borra e confunde a capacidade de
conhecer as condições que moldam nossa existência, mas
também faz que essas condições em si sejam irrelevantes.
Conhecimento e justiça, e não felicidade, continuam a ser o
propósito moral revolucionário da vida.
Edgar Cabanas e Eva Illouiz. Happycracia: fabricando cidadãos felizes.
São Paulo: Ubu, 2022, p. 274-275 (com adaptações).