TEXTO II
LOMBADA
O computador, ao contrário do que se pensava,
não salvará as florestas. Dizem que com o computador
aumentou o uso do papel em todo o mundo, e não apenas
porque a cada novidade eletrônica lançada no mercado
corresponde um manual de instrução, sem falar numa
embalagem de papelão. O computador estimula as pessoas a imprimir coisas. Como hoje qualquer um pode
ser editor, paginador e ilustrador sem largar o mouse, a
tentação de passar sua obra para o papel é quase irresistível. E nada dá uma impressão de permanência como
a impressão, ainda menos uma tela ondulante que pode
desaparecer com o toque de uma tecla errada. [...]
Um livro está operacional no momento em que
você o abre. Um disquete não substitui um livro.[...] Ninguém jamais lhe perguntará que disquetes você levaria
para uma ilha deserta. Para o disquete valer um livro,
você teria que viajar com um computador e a ilha teria
que ter uma usina elétrica ou um revendedor de pilhas,
o que descredenciaria como deserta e invalidaria a enquete.
Mas desconfio que o que salvará o livro será o
supérfluo, o que não tem nada a ver com conteúdo ou
conveniência. Até que lancem disquetes com cheiro sintetizado, nada substituirá o cheiro de papel e tinta nas
suas duas categorias inigualáveis, livro novo e livro velho. E nenhuma coleção de disquetes ornamentará uma
sala com o calor e a dignidade de uma estante de livros.
A tudo que falta ao admirável mundo da informática, da
cibernética, do virtual e do instantâneo, acrescente-lhe
isto: falta lombada. No fim, o livro deverá sua sobrevida
à decoração de interiores.
(VERÍSSIMO, LUIS. Lombada.
O Estado de São Paulo, 02/11/1997, ADAPTADO).