Questões de Concurso Militar ESCOLA NAVAL 2021 para Aspirante - 2º Dia
Foram encontradas 4 questões
Ano: 2021
Banca:
Marinha
Órgão:
ESCOLA NAVAL
Prova:
Marinha - 2021 - ESCOLA NAVAL - Aspirante - 2º Dia |
Q1865651
Português
Texto associado
TEXTO 1
Leia o texto abaixo e responda à questão.
A CADEIRINHA
Naquele fundo de sacristia, escondida ou arredada
como se fora uma imagem quebrada cuja ausência do
altar o decoro do culto exige, encontrei a cadeirinha azul,
forrada de damasco cor de ouro velho. Na frente e no
fundo, dois pequenos painéis pintados em madeira com
traços finos e expressivos. Representava cada qual uma
dama do antigo regime. A da frente, vestida de seda
branca, contrastava a alvura do vestido e o tênue colorido
da pele com o negrume dos cabelos repuxados em trunfa
alta e o vivo carmim dos lábios; tinha um ar desdenhoso e
fatigado de fidalga elegante para quem os requintes da
etiqueta e galanteios dos salões são já coisas velhas e
comezinhas. A outra, mais antiga ainda, trazia as melenas
em cachos artísticos sobre as fontes e as pequeninas
orelhas; um leque de marfim semiaberto comprimia-lhe os
lábios rebeldes que queriam expandir-se num riso franco;
os olhos grandes e negros tinham mais paixão e mais
alma. Esta contemporânea de La Valliêre, que o artista
anônimo perpetuou na madeira da cadeirinha, não se
parecia muito com aquela meiga vítima da régia
concupiscência: ao contrário, um certo arregaçado das
narinas, uma ponta de ironia que lhe voejava na comissura
da boca breve e enérgica — tudo isso mostrava estar ali
naquele painel: representada uma mulher meridional,
ardente e vivaz, pronta ao amor apaixonado ou à luta
odienta. [...]
Sem querer acrescentar mais ao já dito sobre as
damas, perguntava de mim para mim se o pintor do século
passado, ao traçar com tanta correção e finura os dois
retratos de mulher, transmitindo-lhes em cada cabelo do
pincel uma chama de vida, não estaria realmente diante
de dois espécimens raros de filhas de Eva, de duas
heroínas que por serem de comédia ou de ópera nem por
isso deixam de o ser da vida real?
— Quem sabe se a Fontagens e a Montespan?
— Qual! Impossível!
— Impossível, não! Porque a cadeirinha podia
perfeitamente ter sido pintada em França e era até mais
natural crê-lo; porquanto a finura das tintas e a correção
dos traços pareciam indicar um artista das grandes cortes
da época.
E assim, em tais conjeturas, pus-me a examinar
mais detidamente o velho e delicado veículo, relíquia do
século passado, sobrevivendo não sei por que na sacristia
da igreja de um modesto arraial mineiro. Os varais,
conformes à moda bizarra do tempo, terminavam em
cabeças de dragões com as faces abertas e sanguentas e
os olhos com uma expressão de ferocidade estúpida. O
forro de cima formava um pequeno docel de torno
senhorial; e o ouro velho do damasco quê alcatifava
também os dois assentos fronteiriços não tem igual nas
casas de modas de agora.
Qual das matronas de Ouro Preto, ou das cidades
que como esta alcançam mais de um século, não terá
visto, ou pelo menos ouvido falar com insistência, quando
meninas, nas cadeirinhas conduzidas por lacaios de libre,
onde as moçoilas e as damas de outrora se faziam
delicadamente transportar?
Quem não fará reviver na imaginação uma das
cenas galantes da cortesia antiga em que, através da
portinhola cortada de caprichosos lavores de talha,
passava um rostozinho enrubescido e dois olhos de
veludo a pousarem de leve sobre o cavalheiro de espadim
com quem a misteriosa dama cruzava na passagem?
Também, ó pobre cadeirinha, lá terias o teu dia de
caiporismo: havia de chegar a hora em que, em vez dos
saltos vermelhos de um sapatinho de cetim calçando um
pezinho delicado, teu fundo fosse calcado pela chanca
esparramada de alguma cetácea obesa e tabaquista. [...]
Nem foram desses os teus piores dias, ó saudosa
cadeirinha! Já pelos anos de tua velhice, quando, como
agora, sobrevivias ao teu belo tempo passado, quando,
perdidos teus antigos donos, alguém se lembrou de
carregar-te para a sacristia da igreja, não te davam outro
serviço que não o de transportares, como esquife,
cadáveres de anjinhos pobres ao cemitério, ou semelhante
às macas das ambulâncias militares, o de conduzires ao
hospital feridos ou enfermos desvalidos.
Que cruel vingança não toma aquela época
longínqua por lhe teres sobrevivido! Coisa inteiramente
fora da moda, o contraste flagrante que formas com o
mundo circundante é uma prova evidente de tua próxima
eliminação, 6 velha cadeirinha dos tempos mortos!
Mas é assim a vida: as espécies, como os
indivíduos, vão desaparecendo ou se transformando em
outras espécies e em outros indivíduos mais perfeitos,
mais complicados, mais aptos para o meio atual, porém
muito menos grandiosos que os passados. Que figura faria
o elefante de hoje, resto exótico da fauna terciária, ao lado
do megatério? A de um filhote deste. E no entanto, bem
cedo, talvez nos nossos dias, desaparecerá o elefante, por
já estar em desarmonia com a fauna atual, por constituir já
aquele doloroso contraste de que falamos acima e que é o
primeiro sintoma da próxima eliminação do grande
paquiderme. Parece que o progresso marcha para a
dispersão, a desagregação e o formigamento. Um grande
organismo tomba e se decompõe e vai formar uma
inumerável quantidade de seres ávidos de vida. A morte,
essa grande ilusão humana, é o início daquela dispersão,
ou antes a fonte de muitas vidas. E que grande
consoladora!
Lembra-me ter visto, há tempos, um octogenário
de passo trôpego e cara rapada passeando em trajes
domingueiros a pedir uma carícia ao sol. Dirigilhe a
palavra e detivemo-nos largo espaço a falar dos costumes,
das coisas e dos homens de outro tempo. Nisso
surpreendeu-nos um magote de garotos que escaramuçou
o velho a vaias. O pobre do ancião já ia seguindo seu
caminho quando o abordou a meninada, não apressou o
passo nem perdeu aquela serenidade de quem já tinha
domado as fúrias das paixões com o vencer os anos. Vi-o
ainda voltar-se com o rosto engelhado numa risada
tristíssima, a comprida japona abanando ao vento e dizer,
em tom de convicção profunda: “Ai dos velhos, se não
“fosse a morte!” Parecia uma banalidade, mas não era
senão o apelo supremo, a prece fervente que esse exilado
fazia a Deus para que pusesse termo ao seu exílio, onde
ele estava fora dos seus amigos, dos seus costumes, de
tudo quanto lhe podia falar ao coração. [...].
Por que, pois, a pobre cadeirinha, esse mimo de
graça, esse traste casquilho, essa fiel companheira da
vida de sociedade, da vida palaciana, da vida de corte com seus apuros e suas intrigas, suas vinganças
pequeninas, seus amores, todavia sobrevive e por que a
não pôs em pedaços um braço robusto empunhando um
machado benfazejo? Ao menos evitaria esse
dolorosíssimo ridículo, essa exposição indecorosa de
nudez de velha!
Já tiveste dias de glória, cadeirinha de outros
tempos! Pois bem: desaparece agora, vai ao fogo e pede
que te reduza a cinzas! É mil vezes preferível a essa
decadência em que te achas e até mesmo à hipótese mais
lisonjeira de te perpetuarem num museu. Deves preferir a
paz do aniquilamento à glória de figurares numa coleção
de objetos antigos, exposta à curiosidade dos papalvos e
às lorpas considerações dos burgueses, mofada e
tristonha. Morre, desaparece, que talvez — por que não?
— a tua dona mais gentil, aquela para quem tuas alcatifas
tinham mais delicada carícia ao receber-lhe o corpinho
mimoso, aquela que recendia um perfume longínquo de
roseira do Chiraz te conduza para alguma região ideal,
dourada e fugidia, inacessível aos homens... [...].
ARINOS, Affonso. Pelo Sertão. Minas Gerais: Itatiaia, 1981.
(Texto adaptado)
Marque a opção que apresenta, de acordo com o texto, a
visão do narrador sobre a cadeirinha.
Ano: 2021
Banca:
Marinha
Órgão:
ESCOLA NAVAL
Prova:
Marinha - 2021 - ESCOLA NAVAL - Aspirante - 2º Dia |
Q1865659
Português
Texto associado
TEXTO 2
Leia o texto abaixo e responda à questão.
PROVÉRBIOS MAGIARES
Seria ingenuidade procurar nos provérbios de
qualquer povo uma filosofia coerente, uma arte de viver. É
coisa sabida que a cada provérbio, por assim dizer,
responde outro, de sentido oposto. À quem preconiza O
sábio limite das despesas, porque '“vintém poupado,
vintém ganhado”, replicará o vizinho farrista, com razão
igual: “Da vida nada se leva.”. À experiência popular tanto
fornece bons conselhos aos indecisos quanto justificativas
para os velhacos, e um código baseado nos rifões não
estaria menos cheio de contradições do que os códigos
compilados pelos jurisconsultos.
Mais aconselhável procurarmos nos anexins não a
sabedoria de um povo, mas sim o espelho de seus
costumes peculiares, os sinais de seu ambiente físico e de
sua história. As diferenças na expressão de uma sentença
observáveis de uma terra para outra, podem divertir o
curioso e, às vezes, até instruir o etnógrafo.
Povo marítimo, o português assinala semelhança
grande entre pai e filho, lembrando que “filho de peixe,
peixinho é". Já os húngaros, ao formularem a mesma
verdade, não pensavam nem em peixe, nem em mar, ao
olhar para o quintal, notaram que "a maçã não cai longe
da árvore”.
Desconfiado das classes superiores, O caboclo
inventou o preceito: “Cada macaco no seu galho”, o
húngaro foi achar inspiração no pomar para advertir que
“não se devem comer cerejas com os fidalgos no mesmo
prato" e acrescentar, caso alguém lhe perguntasse O
porquê, “pois eles comem a fruta e cospem-te o caroço na
cara”.
Sem sair do quintal, o camponês magiar encontra
na contemplação de seus animais muitos motivos de
meditação: “Quem se mistura com o farelo, os porcos o
comem, afirma para condenar as más companhias (ao
passo que o português, segundo me informa meu amigo
Aurélio Buarque de Holanda, declara o contrário para dizer
a mesma coisa: "Quem com porcos se mistura, farelo
come”). “Até a cabra velha lambe o sal”, cita ele para
explicar, se não para desculpar, o comportamento de
algum velhote mulherengo (caracterizado em português
por um ditado parecido: “Cavalo velho, capim novo”). Às
mais vezes, os fenômenos do quintal servem-lhe de
consolação na sua filosofia de resignado: “Quando não há
cavalo, serve o burro” (tradução portuguesa: "Quem não
tem cão, caça com gato”); “O raio não parte a urtiga” (isto
é: “Vaso ruim não quebra”); “Até a galinha cega encontra o
grão" e “Muita gente boa cabe em pouco lugar”.
Ao querer juntar o maior número possível de
adágios húngaros, surpreende-me quão poucas são as
exortações diretas a praticar o bem. A mais usada delas
parece possuir, até, um matiz irônico: “Em troca de um
benefício, espera o bem”, e nos lembra o nosso “esperar
sentado”. Com maior frequência recomenda-se a
abstenção do mal em vista das possíveis complicações.
“Quem cava uma fossa para o outro, ele mesmo cairá
dentro.” Como esperar, aliás, bondade do gênero humano,
quando “até os santos têm as mãos viradas para si”. Se a
Hungria fosse à beira-mar, puxariam para si as sardinhas. Por isso, nada de colaborações, de cooperativismo:
“Cavalo de dois donos tem a costas esfoladas.” A
solidariedade, aliás, é antes uma virtude de espertos: “Um
corvo não fura o olho de outro corvo.”
A pobreza do povo, naturalmente, é uma das
principais inspiradoras do adágio: “Pobre cozinha com
água” enquanto vive, e mesmo que se enforque, “até o
galho puxa o pobre”, ao passo que “o senhor é senhor até
no Inferno”. O pobre também gosta de comida boa, pois
sabe que “carne barata tem o suco ralo”, mas é obrigado a
limitar seus apetites, pois “dias há mais que salsichas”.
Pelo menos sonha melhor alimentação, o que é bastante
compreensível, pois, como diria o próprio Freud, “porco
faminto sonha com bolota”. Interessante a fórmula usada
principalmente por pessoas abastadas ao oferecerem um
farto banquete: "Somos pobres, mas vivemos bem”, que
parece quase um esconjuro para reconciliar altos poderes
ciumentos. [...]
O espetáculo do mundo, que na Hungria “é do
sabido" (e no Brasil “dos mais espertos”), não oferece
muito conforto. É melhor a gente cuidar do que é nosso,
não se meter com as coisas dos outros “varrer na frente
da própria casa” e calar-se o mais possível: “Minha boca
não fales, minha cabeça não há de doer.” Muito falar não
adianta, pois “muita conversa tem muita borra”, e “até cem
palavras acabam numa só”.
Se, apesar de tanta coisa errada que a gente vê
no imundo, a sorte. dos velhacos não deve despertar
inveja, é porque “o chicote estala é na ponta”. Essa frase,
compreensível apenas para quem sabe que os pastores
da estepe húngara tangem o gado com chicotes
compridos, terminados numa ponta de crina, cujos estalos
metem medo à bicharada, serve para lembrar-nos que um
destino só é completo quando chegou ao fim, ou, então,
que “ri melhor quem ri por último”. Sem dúvida, os
caminhos da justiça divina são muitas vezes obscuros:
“Deus não bate com bordão” (ou, o que dá no mesmo,
"escreve certo por linhas tortas”); mas, “o que demora, não
falha”, (isto é, “a justiça divina tarda, mas não falha”),
porque, “se Deus quer, até o cabo da enxada dá tiro”
(enquanto no Brasil “quando Deus quer, água fria é
remédio”.
RÓNAI, Paulo. Como aprendi o português e outras aventuras.
Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. (Texto adaptado)
Considerando as estratégias argumentativas empregadas
pelo autor e sua intencionalidade discursiva, marque a
opção indicativa do recurso que fundamenta a construção
do texto “Provérbios Magiares”.
Ano: 2021
Banca:
Marinha
Órgão:
ESCOLA NAVAL
Prova:
Marinha - 2021 - ESCOLA NAVAL - Aspirante - 2º Dia |
Q1865661
Português
Texto associado
TEXTO 2
Leia o texto abaixo e responda à questão.
PROVÉRBIOS MAGIARES
Seria ingenuidade procurar nos provérbios de
qualquer povo uma filosofia coerente, uma arte de viver. É
coisa sabida que a cada provérbio, por assim dizer,
responde outro, de sentido oposto. À quem preconiza O
sábio limite das despesas, porque '“vintém poupado,
vintém ganhado”, replicará o vizinho farrista, com razão
igual: “Da vida nada se leva.”. À experiência popular tanto
fornece bons conselhos aos indecisos quanto justificativas
para os velhacos, e um código baseado nos rifões não
estaria menos cheio de contradições do que os códigos
compilados pelos jurisconsultos.
Mais aconselhável procurarmos nos anexins não a
sabedoria de um povo, mas sim o espelho de seus
costumes peculiares, os sinais de seu ambiente físico e de
sua história. As diferenças na expressão de uma sentença
observáveis de uma terra para outra, podem divertir o
curioso e, às vezes, até instruir o etnógrafo.
Povo marítimo, o português assinala semelhança
grande entre pai e filho, lembrando que “filho de peixe,
peixinho é". Já os húngaros, ao formularem a mesma
verdade, não pensavam nem em peixe, nem em mar, ao
olhar para o quintal, notaram que "a maçã não cai longe
da árvore”.
Desconfiado das classes superiores, O caboclo
inventou o preceito: “Cada macaco no seu galho”, o
húngaro foi achar inspiração no pomar para advertir que
“não se devem comer cerejas com os fidalgos no mesmo
prato" e acrescentar, caso alguém lhe perguntasse O
porquê, “pois eles comem a fruta e cospem-te o caroço na
cara”.
Sem sair do quintal, o camponês magiar encontra
na contemplação de seus animais muitos motivos de
meditação: “Quem se mistura com o farelo, os porcos o
comem, afirma para condenar as más companhias (ao
passo que o português, segundo me informa meu amigo
Aurélio Buarque de Holanda, declara o contrário para dizer
a mesma coisa: "Quem com porcos se mistura, farelo
come”). “Até a cabra velha lambe o sal”, cita ele para
explicar, se não para desculpar, o comportamento de
algum velhote mulherengo (caracterizado em português
por um ditado parecido: “Cavalo velho, capim novo”). Às
mais vezes, os fenômenos do quintal servem-lhe de
consolação na sua filosofia de resignado: “Quando não há
cavalo, serve o burro” (tradução portuguesa: "Quem não
tem cão, caça com gato”); “O raio não parte a urtiga” (isto
é: “Vaso ruim não quebra”); “Até a galinha cega encontra o
grão" e “Muita gente boa cabe em pouco lugar”.
Ao querer juntar o maior número possível de
adágios húngaros, surpreende-me quão poucas são as
exortações diretas a praticar o bem. A mais usada delas
parece possuir, até, um matiz irônico: “Em troca de um
benefício, espera o bem”, e nos lembra o nosso “esperar
sentado”. Com maior frequência recomenda-se a
abstenção do mal em vista das possíveis complicações.
“Quem cava uma fossa para o outro, ele mesmo cairá
dentro.” Como esperar, aliás, bondade do gênero humano,
quando “até os santos têm as mãos viradas para si”. Se a
Hungria fosse à beira-mar, puxariam para si as sardinhas. Por isso, nada de colaborações, de cooperativismo:
“Cavalo de dois donos tem a costas esfoladas.” A
solidariedade, aliás, é antes uma virtude de espertos: “Um
corvo não fura o olho de outro corvo.”
A pobreza do povo, naturalmente, é uma das
principais inspiradoras do adágio: “Pobre cozinha com
água” enquanto vive, e mesmo que se enforque, “até o
galho puxa o pobre”, ao passo que “o senhor é senhor até
no Inferno”. O pobre também gosta de comida boa, pois
sabe que “carne barata tem o suco ralo”, mas é obrigado a
limitar seus apetites, pois “dias há mais que salsichas”.
Pelo menos sonha melhor alimentação, o que é bastante
compreensível, pois, como diria o próprio Freud, “porco
faminto sonha com bolota”. Interessante a fórmula usada
principalmente por pessoas abastadas ao oferecerem um
farto banquete: "Somos pobres, mas vivemos bem”, que
parece quase um esconjuro para reconciliar altos poderes
ciumentos. [...]
O espetáculo do mundo, que na Hungria “é do
sabido" (e no Brasil “dos mais espertos”), não oferece
muito conforto. É melhor a gente cuidar do que é nosso,
não se meter com as coisas dos outros “varrer na frente
da própria casa” e calar-se o mais possível: “Minha boca
não fales, minha cabeça não há de doer.” Muito falar não
adianta, pois “muita conversa tem muita borra”, e “até cem
palavras acabam numa só”.
Se, apesar de tanta coisa errada que a gente vê
no imundo, a sorte. dos velhacos não deve despertar
inveja, é porque “o chicote estala é na ponta”. Essa frase,
compreensível apenas para quem sabe que os pastores
da estepe húngara tangem o gado com chicotes
compridos, terminados numa ponta de crina, cujos estalos
metem medo à bicharada, serve para lembrar-nos que um
destino só é completo quando chegou ao fim, ou, então,
que “ri melhor quem ri por último”. Sem dúvida, os
caminhos da justiça divina são muitas vezes obscuros:
“Deus não bate com bordão” (ou, o que dá no mesmo,
"escreve certo por linhas tortas”); mas, “o que demora, não
falha”, (isto é, “a justiça divina tarda, mas não falha”),
porque, “se Deus quer, até o cabo da enxada dá tiro”
(enquanto no Brasil “quando Deus quer, água fria é
remédio”.
RÓNAI, Paulo. Como aprendi o português e outras aventuras.
Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. (Texto adaptado)
Assinale a opção que apresenta a correta relação entre o título e o texto de Paulo Rónai.
Ano: 2021
Banca:
Marinha
Órgão:
ESCOLA NAVAL
Prova:
Marinha - 2021 - ESCOLA NAVAL - Aspirante - 2º Dia |
Q1865662
Português
Texto associado
TEXTO 2
Leia o texto abaixo e responda à questão.
PROVÉRBIOS MAGIARES
Seria ingenuidade procurar nos provérbios de
qualquer povo uma filosofia coerente, uma arte de viver. É
coisa sabida que a cada provérbio, por assim dizer,
responde outro, de sentido oposto. À quem preconiza O
sábio limite das despesas, porque '“vintém poupado,
vintém ganhado”, replicará o vizinho farrista, com razão
igual: “Da vida nada se leva.”. À experiência popular tanto
fornece bons conselhos aos indecisos quanto justificativas
para os velhacos, e um código baseado nos rifões não
estaria menos cheio de contradições do que os códigos
compilados pelos jurisconsultos.
Mais aconselhável procurarmos nos anexins não a
sabedoria de um povo, mas sim o espelho de seus
costumes peculiares, os sinais de seu ambiente físico e de
sua história. As diferenças na expressão de uma sentença
observáveis de uma terra para outra, podem divertir o
curioso e, às vezes, até instruir o etnógrafo.
Povo marítimo, o português assinala semelhança
grande entre pai e filho, lembrando que “filho de peixe,
peixinho é". Já os húngaros, ao formularem a mesma
verdade, não pensavam nem em peixe, nem em mar, ao
olhar para o quintal, notaram que "a maçã não cai longe
da árvore”.
Desconfiado das classes superiores, O caboclo
inventou o preceito: “Cada macaco no seu galho”, o
húngaro foi achar inspiração no pomar para advertir que
“não se devem comer cerejas com os fidalgos no mesmo
prato" e acrescentar, caso alguém lhe perguntasse O
porquê, “pois eles comem a fruta e cospem-te o caroço na
cara”.
Sem sair do quintal, o camponês magiar encontra
na contemplação de seus animais muitos motivos de
meditação: “Quem se mistura com o farelo, os porcos o
comem, afirma para condenar as más companhias (ao
passo que o português, segundo me informa meu amigo
Aurélio Buarque de Holanda, declara o contrário para dizer
a mesma coisa: "Quem com porcos se mistura, farelo
come”). “Até a cabra velha lambe o sal”, cita ele para
explicar, se não para desculpar, o comportamento de
algum velhote mulherengo (caracterizado em português
por um ditado parecido: “Cavalo velho, capim novo”). Às
mais vezes, os fenômenos do quintal servem-lhe de
consolação na sua filosofia de resignado: “Quando não há
cavalo, serve o burro” (tradução portuguesa: "Quem não
tem cão, caça com gato”); “O raio não parte a urtiga” (isto
é: “Vaso ruim não quebra”); “Até a galinha cega encontra o
grão" e “Muita gente boa cabe em pouco lugar”.
Ao querer juntar o maior número possível de
adágios húngaros, surpreende-me quão poucas são as
exortações diretas a praticar o bem. A mais usada delas
parece possuir, até, um matiz irônico: “Em troca de um
benefício, espera o bem”, e nos lembra o nosso “esperar
sentado”. Com maior frequência recomenda-se a
abstenção do mal em vista das possíveis complicações.
“Quem cava uma fossa para o outro, ele mesmo cairá
dentro.” Como esperar, aliás, bondade do gênero humano,
quando “até os santos têm as mãos viradas para si”. Se a
Hungria fosse à beira-mar, puxariam para si as sardinhas. Por isso, nada de colaborações, de cooperativismo:
“Cavalo de dois donos tem a costas esfoladas.” A
solidariedade, aliás, é antes uma virtude de espertos: “Um
corvo não fura o olho de outro corvo.”
A pobreza do povo, naturalmente, é uma das
principais inspiradoras do adágio: “Pobre cozinha com
água” enquanto vive, e mesmo que se enforque, “até o
galho puxa o pobre”, ao passo que “o senhor é senhor até
no Inferno”. O pobre também gosta de comida boa, pois
sabe que “carne barata tem o suco ralo”, mas é obrigado a
limitar seus apetites, pois “dias há mais que salsichas”.
Pelo menos sonha melhor alimentação, o que é bastante
compreensível, pois, como diria o próprio Freud, “porco
faminto sonha com bolota”. Interessante a fórmula usada
principalmente por pessoas abastadas ao oferecerem um
farto banquete: "Somos pobres, mas vivemos bem”, que
parece quase um esconjuro para reconciliar altos poderes
ciumentos. [...]
O espetáculo do mundo, que na Hungria “é do
sabido" (e no Brasil “dos mais espertos”), não oferece
muito conforto. É melhor a gente cuidar do que é nosso,
não se meter com as coisas dos outros “varrer na frente
da própria casa” e calar-se o mais possível: “Minha boca
não fales, minha cabeça não há de doer.” Muito falar não
adianta, pois “muita conversa tem muita borra”, e “até cem
palavras acabam numa só”.
Se, apesar de tanta coisa errada que a gente vê
no imundo, a sorte. dos velhacos não deve despertar
inveja, é porque “o chicote estala é na ponta”. Essa frase,
compreensível apenas para quem sabe que os pastores
da estepe húngara tangem o gado com chicotes
compridos, terminados numa ponta de crina, cujos estalos
metem medo à bicharada, serve para lembrar-nos que um
destino só é completo quando chegou ao fim, ou, então,
que “ri melhor quem ri por último”. Sem dúvida, os
caminhos da justiça divina são muitas vezes obscuros:
“Deus não bate com bordão” (ou, o que dá no mesmo,
"escreve certo por linhas tortas”); mas, “o que demora, não
falha”, (isto é, “a justiça divina tarda, mas não falha”),
porque, “se Deus quer, até o cabo da enxada dá tiro”
(enquanto no Brasil “quando Deus quer, água fria é
remédio”.
RÓNAI, Paulo. Como aprendi o português e outras aventuras.
Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. (Texto adaptado)
Leia o trecho a seguir.
“[...] e um código baseado nos rifões não estaria menos cheio de contradições do que os códigos compilados pelos jurisconsultos.” (1º§)
A partir da leitura do trecho, pode-se afirmar que os códigos compilados pelos jurisconsultos:
“[...] e um código baseado nos rifões não estaria menos cheio de contradições do que os códigos compilados pelos jurisconsultos.” (1º§)
A partir da leitura do trecho, pode-se afirmar que os códigos compilados pelos jurisconsultos: