Questões de Concurso Público Prefeitura de Teresina - PI 2016 para Professor - Português

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Q633105 Português

                                        A OVELHA NEGRA

      Havia um país onde todos eram ladrões.

      À noite, cada habitante saía, com a gazua e a lanterna, e ia arrombar a casa de um vizinho. Voltava de madrugada, carregado e encontrava a sua casa arrombada.

      E assim todos viviam em paz e sem prejuízo, pois um roubava o outro, e este, um terceiro, e assim por diante, até que se chegava ao último que roubava o primeiro. O comércio naquele país só era praticado como trapaça, tanto por quem vendia como por quem comprava. O governo era uma associação de delinquentes vivendo à custa dos súditos, e os súditos por sua vez só se preocupavam em fraudar o governo. Assim a vida prosseguia sem tropeços, e não havia nem ricos nem pobres.

      Ora, não se sabe como, ocorre que no país apareceu um homem honesto. À noite, em vez de sair com o saco e a lanterna, ficava em casa fumando e lendo romances. Vinham os ladrões, viam a luz acesa e não subiam.

      Essa situação durou algum tempo: depois foi preciso fazê-lo compreender que, se quisesse viver sem fazer nada, não era essa uma boa razão para não deixar os outros fazerem. Cada noite que ele passava em casa era uma família que não comia no dia seguinte.

      Diante desses argumentos, o homem honesto não tinha o que objetar. Também começou a sair de noite para voltar de madrugada, mas não ia roubar. Era honesto, não havia nada a fazer. Andava até a ponte e ficava vendo a água passar embaixo. Voltava para casa, e a encontrava roubada. 

      Em menos de uma semana o homem honesto ficou sem um tostão, sem o que comer, com a casa vazia. Mas até aí tudo bem, porque era culpa sua; o problema era que seu comportamento criava uma grande confusão. Ele deixava que lhe roubassem tudo e, ao mesmo tempo, não roubava ninguém; assim sempre havia alguém que, voltando para casa de madrugada, achava a casa intacta: a casa que o homem honesto devia ter roubado. O fato é que, pouco depois, os que não eram roubados acabaram ficando mais ricos que os outros e passaram a não querer mais roubar. E, além disso, os que vinham para roubar a casa do homem honesto sempre a encontravam vazia; assim iam ficando pobres.

      Enquanto isso, os que tinham se tornado ricos pegaram o costume, eles também, de ir de noite até a ponte, para ver a água que passava embaixo. Isso aumentou a confusão, pois muitos outros ficaram ricos e muitos outros ficaram pobres.

      Ora, os ricos perceberam que, indo de noite até a ponte, mais tarde ficariam pobres. E pensaram: “Paguemos aos pobres para ir roubar para nós”. Fizeram-se os contratos, estabeleceram-se os salários, as percentagens: naturalmente, continuavam a ser ladrões e procuravam enganar-se uns aos outros. Mas, como acontece, os ricos tornavam-se cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

      Havia ricos tão ricos que não precisavam mais roubar e que mandavam roubar para continuarem a ser ricos. Mas, se paravam de roubar, ficavam pobres porque os pobres os roubavam. Então pagaram aos mais pobres dos pobres para defenderem as suas coisas contra os outros pobres, e assim instituíram a polícia e constituíram as prisões.

      Dessa forma, já poucos anos depois do episódio do homem honesto, não se falava mais de roubar ou de ser roubado, mas só de ricos ou de pobres; e, no entanto, todos continuavam a ser pobres.

      Honesto só tinha havido aquele sujeito, e morrera logo, de fome.

(ÍTALO CALVINO. In: Um general na biblioteca. Companhia das Letras, São Paulo, 2001)

O título do texto “Ovelha Negra” refere-se ao “homem honesto”, isso caracteriza uma
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Q633121 Português

                                              Lembrança

      Lembro-me de que ele só usava camisas brancas. Era um velho limpo e eu gostava dele por isso. Eu conhecia outros velhos e eles não eram limpos. Além disso, eram chatos. Meu avô não era chato. Ele não incomodava ninguém. Nem os de casa ele incomodava. Ele quase não falava. Não pedia as coisas a ninguém. Nem uma travessa de comida na mesa ele gostava de pedir. Seus gestos eram firmes e suaves e quando ele andava não fazia barulho.

      Ficava no quartinho dos fundos e havia sempre tanta gente e tanto movimento na casa que às vezes até se esqueciam da existência dele. De tarde costumava sair para dar uma volta. Ia só até a praça da matriz que era perto. Estava com setenta anos e dizia que suas pernas estavam ficando fracas. Levava-me sempre com ele. Conversávamos mas não me lembro sobre o que conversávamos. Não era sobre muita coisa. Não era muita coisa a conversa. Mas isso não tinha importância. O que gostávamos era de estar juntos.

      Lembro-me de que uma vez ele apontou para o céu e disse: 'olha'. Eu olhei. Era um bando de pombos e nós ficamos muito tempo olhando. Depois ele voltou-se para mim e sorriu. Mas não disse nada. Outra vez eu corri até o fim da praça e lá de longe olhei para trás. Nessa hora uma faísca riscou o céu. O dia estava escuro e uma ventania agitava as palmeiras. Ele estava sozinho no meio da praça com os braços atrás e a cabeça branca erguida contra o céu. Então eu pensei que meu avô era maior que a tempestade.

      Eu era pequeno, mas sabia que ele tinha vivido e sofrido muita coisa. Sabia que cedo ainda a mulher o abandonara. Sabia que ele tinha visto mais de um filho morrer. Que tinha sido pobre e depois rico e depois pobre de novo. Que durante sua vida uma porção de gente o havia traído e ofendido e logrado. Mas ele nunca falava disso. Nenhuma vez o vi falar disso. Nunca o vi queixar-se de qualquer coisa. Também nunca o vi falar mal de alguém. As pessoas diziam que ele era um velho muito distinto.

      Nunca pude esquecer sua morte. Eu o vi, mas na hora não entendi tudo. Eu só vi o sangue. Tinha sangue por toda parte. O lençol estava vermelho. Tinha uma poça no chão. Tinha sangue até na parede. Nunca tinha visto tanto sangue. Nunca pensara que, uma pessoa se cortando, pudesse sair tanto sangue assim. Ele estava na cama e tinha uma faca enterrada no peito. Seu rosto eu não vi. Depois soube que ele tinha cortado os pulsos e aí cortado o pescoço e então enterrado a faca. Não sei como deu tempo dele fazer isso tudo, mas o fato é que ele fez. Tudo isso. Como, eu não sei. Nem por quê.  

      No dia seguinte eu ainda tornei a ver a sua camisa perto da lavanderia e pensei que mesmo que ela fosse lavada milhares de vezes nunca mais poderia ficar branca. Foi o único dia em que não o vi limpo. Se bem que sangue não fosse sujeira. Não era. Era diferente.

                                                (VILELA, Luiz. Tarde da noite. 6. Ed. São Paulo: Ática, 2000.) 

As cores branca e vermelha assumem, no texto, uma simbologia na qual o branco simboliza a limpeza e o vermelho a sujeira, sendo que ao descrever o ambiente sujo de sangue, o autor o faz de forma exagerada, caracterizando uma
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Q633130 Português

                                  A guerra do Fim do Mundo

      “O homem era alto e tão magro que parecia sempre de perfil. Sua pele era escura, seus ossos proeminentes e seus olhos ardiam como fogo perpétuo. Calçava sandálias de pastor e a túnica azulão que lhe caía sobre o corpo lembrava o hábito desses missionários que, de quando em quando, visitavam os povoados do sertão batizando multidões de crianças e casando os amancebados. Era impossível saber sua idade, sua procedência, sua história, mas algo havia em seu aspecto tranquilo, em seus costumes frugais, em sua imperturbável seriedade que, mesmo antes de dar conselhos, atraía pessoas. ”

(VARGAS LLOSA, Mario. A guerra do fim do mundo. 8 ed. São Paulo: Francisco Alves, 1982.)  

O trecho que traz a caracterização cujo sentido é marcado pela subjetividade é:
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Respostas
1: A
2: B
3: E